A MULHER DAS TRÊS TOSSES
Era uma daquelas mulheres que deveria ter feito furor nos
bailes do clube recreativo há quarenta anos atrás.
Apesar de já ter ultrapassado os 60 anos, ainda estava
ali para as curvas e a sua exuberância enganava a
sua verdadeira idade. Falava com o corpo todo, mas sobretudo
com as mãos, que andavam sempre numa roda viva, tentando
acompanhar a velocidade do seu discurso. Falava, falava
e continuava a falar até que a voz lhe doesse. E
a seguir, vinha a tosse. Uma daquelas tosses irritativas,
em que cada acesso provoca nova crise. Uma daquelas tosses
de fazer chichi pelas pernas abaixo.
Expliquei-lhe sumariamente a fisiopatologia da coisa e aconselhei-a
a ser mais comedida nas palavras e prescrevi-lhe um anti-inflamatório.
Não resultou. Ela precisava de falar senão
rebentava e quanto mais falava, mais tossia - e quanto mais
tossia mais lhe apetecia falar sobre aquela maldita tosse
que não havia meio de passar.
Dei-lhe um pouco mais de atenção, fiz-lhe
alguns exames complementares e até pedi a opinião
do alergologista e do otorrino. Exames negativos, opiniões
idênticas - a mulher não tinha nada.
Ou melhor: a mulher tinha tosse. Ou ainda melhor, tinha
três tosses!
Foi só depois de deparar com a incapacidade da Medicina
em resolver o seu problema que ela me explicou que, de facto,
o que ela tinha eram três tosses diferentes.
A saber: uma que lhe subia pelo lado direito do pescoço,
outra que lhe subia pelo lado esquerdo e uma terceira, mais
centrista, que lhe fazia comichão na garganta, e
lhe provocava um nó mesmo no sítio onde Adão
tinha a maçã.
Perante esta descrição, decidi borrifar-me
na ética profissional e prescrevi-lhe três
xaropes, com nomes comerciais diferentes, mas com o mesmo
princípio activo.
Era assim: tomava uma colher do primeiro xarope, de manhã,
para a tosse do lado direito do pescoço, uma colher
do segundo xarope, à tarde, para a tosse do lado
esquerdo e uma colher do terceiro xarope, à noite,
para a tosse central. Seguiu a prescrição
à risca e parece que está melhor das tosses
laterais. A do centro é que permaneceu.
Continuo a fazer experiências, aconselhando-lhe que
passe o xarope da manhã para a noite e vice-versa,
ou que tome o da tarde de manhã e assim sucessivamente.
Algum dia hei-de acertar...
in "Cinquenta Histórias Pouco Clínicas
mas Muito Cínicas", 1998
ilustração de Pedro Couto e Santos (www.macacos.com)
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