UNS TÊM...E OUTROS NÃO
Muito raramente os homens se queixam de impotência.
Têm vergonha, têm pudor, têm medo mas,
as mais das vezes, têm dificuldade em admitir que
sofrem de impotência e arranjam uma doença
qualquer que justifique aquela súbita falta de força
na verga.
Pode ser uma dor nas costas, nos rinzes ou nas cruzes -
e todos sabemos como os rinzes e as cruzes são importantes
para a performance sexual.
Pode ser uma dor de cabeça vespertina, fruto do stress
do trabalho ou da sinusite - e todos sabemos também,
a importância que a cabeça, ou se quiser, as
cabeças têm para uma boa performance sexual.
Pode ser qualquer outra coisa, mas muito raramente um homem
chega ao médico e inicia as suas queixas dizendo:
estou impotente.
E mesmo quando arranjam coragem para o dizer, perfumam essa
queixa com frases interessantíssimas como, por exemplo:
“Tenho sentido menos força no órgão.”
Ao que nós poderíamos responder, por exemplo:
“então por que não usa o piano?...”
Ou ainda: “quando me quero servir da mulher, a coisa
não obedece”. Ao que nós deveríamos
responder: “passe então a servir-se da vizinha
e dê uma chapada na coisa, pode ser que ela obedeça...”
Os que querem parecer mais dignos, poderão dizer:
“quando estou com a minha senhora, não consigo
ir até ao fim”. E nós aconselharíamos:
“então vá só até meio...”
Uma coisa é certa: quando eles se queixam de falta
de força na verga, há muito tempo que estão
impotentes. Demoram meses, às vezes anos, para digerir
o problema e chegar ao ponto de desespero que os leva, finalmente,
à conversa com o médico.
Que as causa são quase sempre, psicológicas
ou alcoólicas, é do conhecimento geral.
Que o tratamento destes casos é complicadíssimo,
também é ponto assente.
Sobretudo quando as próprias mulheres são
frígidas e afirmam, com algum orgulho até,
que podem muito bem passar sem aquilo, que ter relações
sexuais, para elas, é um frete.
Mas também há casos de sobrevalorização
da potência.
Afinal, o que é normal?... Ter relações
todos os dias, dia sim dia não, uma vez por mês?...
Pois claro - cada um tem o seu ritmo e não se pode
decretar o que é normal.
Mas quer-me parecer que há limites. Ou estarei enganado?...
Por exemplo, posso contar o caso daquele jovem que apareceu
apavorado na consulta.
Disse, sem rodeios, que estava a perder a potência.
Comecei pelas perguntas da ordem, mas ele atalhou imediatamente.
O problema era simples e era assim:
O rapaz dizia que costumava ter relações cerca
de dez vezes por dia. Escrevi correctamente: dez vezes.
E agora?...
Agora, era só uma vez por dia e, para dar a segunda,
era preciso um esforço inusitado.
A vida é mesmo assim: o que uns têm a mais,
têm os outros a menos. Só que, se no caso do
dinheiro se pode imaginar um mundo melhor, à Robin
dos Bosques, em que os que têm mais dinheiro, “cedem”
aos que são mais pobres, no caso da potência
sexual, será difícil redistribuí-la.
Uns têm... e outros não...
in "Cinquenta Histórias Pouco Clínicas
mas Muito Cínicas", 1998
ilustração de Pedro Couto e Santos (www.macacos.com)
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