PÃO COMANTEIGA - 1988
Abril– mês da Mentira
Programa nº 6 – 9 de Abril 1988
O detector de mentiras
Era uma vez um torcionário que vivia numa terra muito distante, governada por um ditador com uma mão de ferro e outra de silicone.
O torcionário era-lhe dedicado e tudo fazia para ajudar o ditador a limpar o país dos traidores, dos estrangeirados e de todos os que conspiravam na sombra, ou mesmo ao sol.
Ele sabia que existiam grupos organizados que sonhavam com a queda do ditador e que, por vezes, tinham o desaforo de colar alguns cartazes em que o itador era cognominado de “o sanguinário”, ou de fazerem pichagens em grandes letras: Abaixo o ditador! Morte ao ditador!
O torcionário chorava de tristeza, primeiro; ele tinha pena do ditador. Se ele matava, era apenas a bem da Nação, que ele tanto amava – era absurdo que existissem pessoas que desejassem a sua morte. Depois de chorar de tristeza, o torcionário chorava de raiva e partia em busca dos culpados. Apanhava-os quase sempre e infligia-lhes torturas tais que eles raidamente confessavam e acabavam mesmo por aderir ao ditador. E quando não descobria ninguém que tivesse cara de oposicionista, prendia dois ou três ao calhas, metia-lhes panfletos nos bolsos e acusava-os de pôr em perigo a segurança da Nação.
E assim vivia o torcionário, aparentemente feliz. No entanto, bem lá no fundo, sentia-se deprimido.
À noite, sozinho no seu quarto nas águas-furtadas, o torcionário fazia um esforço intelectual muito para além das suas capacidades, sem resultados práticos. Ele gostaria de inventar uma tortura completamente inovadora para oferecer ao seu ditador. Mas o seu pequeno cérebro não rendia o que os seus músculos conseguiam.
Foi então que surgiu, vinda do éter, uma fada má. Envolta numa nuvem de cinza e vapores de hidrocarboneto, a fada pairou no pequeno quarto do torcionário e disse-lhe: “Constrói um detector de mentiras, um aparelho que nunca ninguém tenha visto, uma máquina infalível que apanhe todos os traidores. Assim, agradarás ao teu ditador.”
E a fada desapareceu com um relâmpago, deixando sobre a mesa os planos chamuscados do novo detector de mentiras.
O torcionário exultou. Examinou os planos e atirou-se ao trabalho com afinco. Durante semanas, aproveitou todos os momentos livres para trabalhar na construção da máquina.
A máquina era de concepção simples: um orifício destinado a receber a mão do traidor e um microfone que captava as suas palavras. Depois, era um emaranhado de sensores que analisavam as palavras e as transformavam em dois tipos de impulsos: se as palavras fossem verdadeiras, a energia era convertida em sons e a máquina reproduzia o hino do país; pelo contrário, se as palavras fossem falsas, os sons eram convertidos em energia mecânica e uma guilhotina decepava a mão do traidor.
Após meses de trabalho, o detector de mentiras estava pronto.
Transbordando de alegria, o torcionário olhou para a máquina de todos os ângulos e ficou maravilhado. Aquilo era obra sua, aquela máquina seria a sua dádiva para o ditador.
Agora, só faltava experimentá-la.
O torcionário enfiou a sua própria mão direita no orifício da máquina e, orgulhoso, disse: “Viva o ditador! O homem que ama o seu povo acima de todas as coisas!”
E ficou sem a mão direita.
A máquina funcionava na perfeição.
(A Capital –21.4.88)
Notas falsas
John Withoutbrains tinha terminado o trabalho e olhava, com orgulho, para o produto de quase um mês de intenso labor: maços e maços de notas de 10 dólares. Falsas, claro.
“Então... que dizes?” – perguntou ao acólito.
“Perfeito, chefe... parecem mesmo verdadeiras... só têm um pequeno defeito...”
“Defeito?!...” – espantou-se John Withoutbrains – “Qual?!”
“O John Wayne não tinha bigode...”
Grandes mentiras da história
* Edison inventou a lâmpada de Aladino
* Guilherme Tell, afinal, tinha um filho mais velho. A maçã é que era mais pequena.
* Foi Xenofontes que disse: “Mais vale Sócrates que mal acompanhado”. Mais tarde, o próprio Sócrates foi morto por um Platão de fuzilamento.
* Toda a filosofia do século das luzes se pode resumir a uma única frase: “Il y a mer et mer, il y a irre et Voltaire”
* Foi o grande filósofo alemão quem disse: “Kant mais depressa, mais devagar.”
* As pancadas de Moliére eram, fundamentalmente, duas: a mania da perseguição e a hipocondria
* Foi Marx quem compôs “A Mula da Cooperativa”.
(A Capital –21.4.88)
o mês da mentira continua aqui
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