Vestuário
Programa emitido a 23 de Agosto 1981
Abertura
Hoje, das 10 às 13, vamo-nos despir e vestir aqui,
na cabina da Rádio Comercial, onde média e
FM. Vestimo-nos das 10 às 13 e despimo-nos das 13
às 10, ou vice-versa, conforme a sua posição.
O rouPão Comanteiga de hoje dá pano para mangas
e ainda vai sobrar para um par de ceroulas.
Serviram de alfaiates: Artur Colete e Santos; Bernardo Colarinho
e Cunha; Eduarda Costureira; Smoquim Furtado; Boné
Duarte; Bonezinho Fanha; Vestuário Zambujal e Carlos
Ponto de Cruz – unidos e bem vestidinhos, vamos lá
descalçar esta bota...
E como já é hábito, consultámos
inúmeras obras para a elaboração deste
programa. Eis alguns títulos: O Cinto do Padre Amaro;
As Dozes Indomáveis Pantufas; Boné anda Clide;
A Camisinha dos Canaviais; As Luvas Sujas; Os cavalos também
usam Botas; As Pantufas do pescador; 20 mil Léguas
gabardinas; Cinco semanas em boné e Os Calções
de Navarone.
Frases
* Diz-se que um casaco está coçado, depois
de um ataque de comichão.
(também publicado na revista Pão Comanteiga
nº6 – novembro 81)
* Não seja malcriado: não diga cuecas –
diga rabinho-ecas.
(também publicado na revista Pão Comanteiga
nº6 – novembro 81)
* Só calçando duas meias em cada pé
ficará completamente calçado.
(também publicado na revista Pão Comanteiga
nº6 – novembro 81)
* Se é pacifista, nunca use calças de bomba-zine.
(também publicado na revista Pão Comanteiga
nº6 – novembro 81)
* Com fato macaco use sempre chapéu de coco. Ou
melhor: com fato macoco, use sempre chapéu de caco.
(também publicado na revista Pão Comanteiga
nº6 – novembro 81)
* E depois vem a história daquela camisa de dormir
que tinha insónias... Receitaram-lhe um pijama, claro...
* Alguns portugueses dormem em cuecas. Os ingleses preferem
os slips.
(também publicado na revista Pão Comanteiga
nº6 – novembro 81)
* Para se assoar use o lenço. Se está constipado,
prefira o lençol.
* Um grande industrial têxtil diz: “Geri a
lã” ou “ a lã-geri”?
* Os cintos ingleses usam five-elas ou six-elas?
* Não se esqueça que à hora do chá
deve usar sempre uma tea-shirt.
* Limpe o nariz com um lenço de assoar e a axila
com um lenço de assuor.
* Uma camisa de meia manga é uma cami ou uma camisa
de man? Ou uma cami de ga? Ou uma sa de gan?
* A diferença entre a ceroula e a cenoura está
no tubérculo.
* Uma senhora que usa uma espécie de túnica
de nylon, por baixo do vestido, com rendinhas, lacinhos,
uma rosinha bordada a negro, duas alças de cetim,
terminadas por dois lacinhos cor-de-rosa, diz-se que usa
uma combinação ou uma mistura?
* Quando está muito calor não deve usar-se
o sobretudo. Prefira o além disso.
* Os decotes em bico usam-se nas horas de ponta.
* No litoral não deve usar-se roupa interior.
* Quanto a mim, não gosto de meias de senhora. Prefiro-as
completas.
* Nos países árabes, as camisas de popeline
foram substituídas pelas túnicas de pipeline.
* Os vestidos de noite despedem-se de madrugada.
* Um sujeito bem vestido diz-se trajado a rigor.
Um sujeito muito bem vestido diz-se ultrajado a rigor.
* Atenção sr. Comerciante: se tem um pronto-a-vestir,
tenha muita atenção aos anúncios que
coloca nas suas montras. Evite, por exemplo, os seguintes:
- “Saia por dois contos”
- “Robe mil escudos”
- “Capa excelente material por apenas 500 escudos”
A gramática no vestuário
A gramática está toda engatada. No capítulo
do vestuário, as coisas ainda são piores.
Ora vejam...
Umas calças que não chegam aos pés,
ficando-se pelas coxas, deviam chamar-se calcinhas ou, pelo
menos, calcinhos – nunca calções. Portanto,
abaixo os calções!
Mas, quando se baixam os calções, que vemos?
As cuecas ou calcinhas! Mas que grande confusão!
Então as calcinhas usam-se por baixo dos calções?
Quanto ao fato completo, diz-se que inclui casaco, colete
e calças. Quando não possui colete, é
incompleto. Mas se não tem calças, é
uma vergonha. Porquê?
O vestido ainda é pior. Mesmo despido, continua a
ser vestido. Além de que é completamente idiota
vestir-se um que já está vestido. Nesse caso,
saia o vestido! Mas... saia ou vestido? É que a saia
mantém-se saia quando se entra. Ou então,
quando se quer entrar, que saia a saia. E à noite?
Sim, à noite! Quando se sai de saia, entra-se de
vestido? Ou despe-se o vestido quando se sai de saia? Ou
veste-se a saia para se sair despido?
Quanto à camisa (em inglês, Tamisa), quando
não tem gola é que se chama camisola. Está
mal! Camigola devia ser a camisa com gola e cami-sengola,
a outra. Cama-i-sola porquê? Cama-isa, só deveria
ser a que se usa na cama, isto é, a cama-isa de dormir
– se a Isa tiver sono, claro.
Está-se a ver como a gramática anda aí
aos pontapés de meia. Por falar em meia, debrucemo-nos
sobre as peúgas. Pé-uga já é
um substantivo bem escolhido – embora pé-usa
fosse mais adequado. Vá lá! Sejamos moderados,
pelo menos uma vez. Convenhamos que usar um par de pé-usas,
seria bem melhor, não acham? E se se calçam
sapatos, por que não se meiam as meias? Mas se semeiam
as meias, nasce o quê? Pé-uvas? Ciao, hein!
O vestuário através dos tempos
Tudo começou com a parra que Adão usava e
Eva gozava, dizendo: “muita parra, pouca uva”.
Não era verdade, como se sabe, porque foi graças
a esse casal que nasceram todos os outros. Pouco tempo depois,
por alturas do Dilúvio, o homem teve necessidade
de se resguardar da chuva torrencial, inventando a gabardina
que, no entanto, era permeável. Deficiências
da técnica!... Seguiu-se uma epidemia de gripe, só
escapando o famoso Noé, a quem Deus ordenara que
construísse um chapéu de chuva debaixo do
qual se abrigaram todas as espécies animais, excepto
o rinofante – motivo que levou à extinção
deste curiosa espécie animal.
Mas estamos a fugir ao assunto, pelo que vamos dar um salto
até ao Império Romano que, apesar de todo
o seu esplendor, nunca foi grande coisa no que respeita
ao vestuário. Recordemos que os romanos usavam sandálias,
em vez de sapatos ou botas, e mesmo as sandálias
eram todas às tiras – tiras que subiam pelas
pernas acima até darem um nó perto dos joelhos,
caso contrário, cada vez que um romano levantasse
um pé do chão, a sandália caía.
Mesmo os soldados das Legiões Romanas andavam muito
mal fardados, com uma espécie de camisola interior
de alças acoplada a um saiote, também às
tiras. Como se vê, no exército, a disciplina
não é tudo...
Mas deixemos a Antiguidade e passemos à Idade Média,
onde o vestuário se desenvolveu de maneira apreciável,
sobretudo... sobretudo não, o sobretudo surgiu muito
mais tarde... A grande especialidade da Idade Média
foram os cintos de castidade, que eram uma espécie
de cintos de segurança para as damas se aguentarem
nas curvas, enquanto os cavaleiros partiam para a guerra.
Os cavaleiros usavam, nesta época, complicadas e
pesadas armaduras desconhecendo-se se, por baixo, vestiam
cuecas ou ceroulas. E isto, parecendo que não, é
muito importante para a nossa História. Imaginem,
por exemplo, D. Nuno Álvares Pereira, de armadura,
montado no seu corcel. Já imaginaram? Agora, imaginem-no
em ceroulas, mesmo desmontado. Já perceberam onde
queremos chegar?
Queremos chegar, por exemplo, à Renascença,
ou lá perto, ou um pouco antes, ou mesmo depois,
que foi a altura em que os decotes das damas começaram
a descer de tal modo e com tal rapidez que, nalguns casos,
com um pouco de atenção, poderia ver-se a
cor das meias, através dos decotes. Em compensação,
as golas dos cavalheiros subiam, subiam, transformando-se
em lindos chapéus com rendinhas e berloques, franjas
e outros adornos. Bom... se não foi assim, foi mais
ou menos e passemos rapidamente ao fin d’epoque ou
belle siécle, em que os decotes subiram até
quase porem em risco o gasganete das senhoras. As saias
eram redondas, graças a uma armação
de pêra que ficava por baixo, enquanto os cavalheiros
usavam fatos complicadíssimos, que começavam
numa cartola e terminavam em botas com polainas, porque
as ruas ainda não eram alcatroadas.
Depois, a indústria começou a florescer e
o vestuário acompanhou esse progresso. Foi inventado
o nylon inglês, o pied de poule francês, o terylene
americano, o molotov soviético, o mein kampf alemão
e muitos outros tecidos. Mesmo em Portugal o progresso se
fez sentir de tal modo que, hoje em dia, as calças
são jeans, os calções são shorts,
os casacos blasers, as camisas t-shirts, as cuecas são
slips, as camisas de dormir são baby-dolls, as combinações
combinations e por aí fora.
Mas tenhamos esperança: a História repete-se
e o tempo da parra voltará!
Diálogos
A – Bom dia.
B – Bom dia.
A – Há sapatos?
B – Com certeza. É essa a nossa especialidade.
A – Então arranje-me um bem passado. Com laranja.
A – Bom dia.
B – Bom dia.
A – Onde vais com tanta pressa?
B – Vou comprar umas calças na ganga!
A – Então o senhor acha que esta camisa me
fica mesmo bem?
B – Não lhe fica bem, meu caro senhor. Fica-lhe
óptima! Assenta-lhe que nem uma luva!
A – Sabe... é que as luvas, a mim, costumam
assentar-me bastante mal...
B – Não é o caso dessa camisa, meu amigo.
Parece mesmo que foi feita para si...
A – Bom..... o senhor está quase a convencer-me...
mas, não acha que o colarinho deveria ser um pouco
mais folgado? Tenho a impressão que me aperta um
pouco o pescoço...
B – Não passa de impressão sua... Já
lhe disse, essa camisa fica-lhe a matar!
A – Ahhhh!
A – Que estás aí a fazer, de rabo para
o ar?
B – estou a apanhar bonés!
A – Mas não vejo bonés nenhuns!
B – Pudera! Estou aqui desde ontem. Já os apanhei
todos!
A – Ouve lá! Então não tens
vergonha de vir para a rua nessa figura?
B – Que figura?!
A – Assim, enrolado nesse trapo! Não tens vergonha?
B – Não tenho vergonha nenhuma! Sei perfeitamente
que, a mim, qualquer trapinho me fica bem!
A – Bom dia.
B – Bom dia.
A – Estás chateado?
B – Pudera!
A – Então porquê?
B – Estou de tanga!
A – De tanga? Não se nota.
B – Oh pá! Estar de tanga é uma força
de expressão! Enfiaram-me a touca!
A – A touca? Mas que touca?
B – Bolas! É outra força de expressão!
Quero dizer que me enfiaram o barrete!
A – Continuo na mesma! Não vejo barrete nenhum!
(som de estalo)
A – Mas... mas por que me bateste?
B – Já que não percebes o que é
uma força de expressão, talvez entendas o
que é uma expressão de força!
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