16 a 29 de Maio
Segunda,
17 de Maio
Arequipa
3h45 (hora do Peru) – Lobby do Swissôtel
Dormimos muito depressa. É a sina destas viagens.
Após um voo de 11 horas sem sobressaltos, mas chato
à brava, aterrámos no aeroporto de Jorge
Chavez, Lima, pouco depois das 8 da noite (2 da manhã
em Portugal). As malas, que tinham sido embarcadas em
Lisboa, também chegaram e um fulano da Lima Tours
estava à nossa espera. Viemos de táxi particular
até ao hotel e ficámos a saber que esta
nossa visita ao Peru vai ser feita por nossa conta, isto
é, sem estarmos integrados em qualquer grupo, fizemos
o check in e ficámos no quarto 1402, um quarto
enorme com uma cama king size que nem deu para desfrutar.
Descemos para comer uma sandes e beber uma cerveja no
bar do lobby por 50 nuevos soles. Entretanto, recebi mensagens
da malta toda. O Benfica ganhou a Taça, 2-1 ao
Porto, após prolongamento. Está tudo eufórico!
Às 23h30 estávamos na cama (seriam 4h30
em Portugal) e dormimos bem, até sermos acordados
4h e meia depois. O lobby fervilha, como se fossem 3 da
tarde, com um grande grupo de americanos. Nós estamos
à espera de um tal Orlando, que nos vai levar ao
aeroporto
5h00 – Sala de embarque do
Aeroporto Jorge Chavez
Primeira idiossincrasia peruana: os casinos. No trajecto
do hotel para o aeroporto, percorremos uma longa avenida,
com três faixas para cada lado; ao longo da avenida,
muitos casinos, Hollywood, Texas Station, New York, numa
espécie de Las Vegas dos pobrezinhos. Luzes feéricas,
intermitentes, anunciam “tragamonedas”, que
deva ser a tradução peruana para slot machines.
O tal Orlando trouxe-nos até ao aeroporto sem grandes
conversas. As Linhas Aéreas Nacionais (LAN) do
Peru devem estar em alta, a avaliar pela azáfama
do aeroporto a esta hora da madrugada: centenas de pessoas,
voos para Cusco, Arequipa, Juliaca, etc. Uma certa confusão
que cheira a América Latina. A menina do check
in fez-nos um pedido perturbador: o nome e número
de telefone de um familiar em Portugal. Just in case…
Livra!…
8h50 – Arequipa, Hotel Libertador,
quarto 220
Quando o avião começou a sua descida para
Arequipa, vimos uma paisagem desértica e montanhosa.
Depois, mais perto, as falhas sísmicas marcadas
na montanha.
Aterrámos num aeroporto rodeado por vulcões:
o Chachani, com os picos gelados, El Misti, o mais famoso,
em forma de cone quase perfeito e o Pichupichu.
Uma fulana chamada Flor foi-nos buscar e trouxe-nos ao
hotel por ruas com trânsito confuso, ladeadas por
casas de um único piso, um misto de subúrbios
de cidade do oeste norte-americano com Cairo.
14h00 – Após o almoço
Almoçámos no hotel, junto à piscina,
rodeados de ingleses velhotes, com o vulcão Chachani
ao fundo; alguns llamas, mastigam continuamente num relvado
à volta da piscina; como música de fundo,
aqueles irritantes peruanos, com canções
que fazem lembrar o trio Odemira, com vozes estridentes,
guitarras nos agudos e versos de corazon, frustracion
e desilusion!
Como entrada, uma fritada de camarões, lulas e
outros habitantes da água. Estava bom. Depois,
eu comi uma costeleta de lama (coitadinho!) e a Mila abalançou-se
numa carne frita de malaya que era quase incomestível.
De manhã, demos uma volta ao hotel e viemos dormir
quase 2 horas. Nas ruas circundantes, vimos carrinhas
Toyota que servem de transporte público, com dezenas
de peruanos literalmente sentados ao colo uns dos outros!
Os táxis são carrinhos minúsculos,
lançados a grande velocidade, em todas as direcções.
Vimos um com uma cama no tejadilho, amarrada com cordas,
maior que o táxi.
Por enquanto, ainda não notámos a altitude.
Estamos a 2500 metros acima do nível do mar, mas
não se nota. O sol é muito quente mas, quando
o vento sopra, sente-se frio.
18h10 – depois da visita da
cidade
O principal motivo de interesse de Arequipa é,
de facto, o conjunto de vulcões que a rodeia. Fomos
vê-los de um miradouro: o Chachani, à esquerda,
que deve ter tido 12 mil metros de altitude, antes de
uma grande erupção, que alargou a sua base
e diminuiu a sua altitude para os 5 mil; ao meio, o ex-libris
da cidade, El Misti, o tal cone quase perfeito e que tem
uma nova erupção marcada para um dia ou
um ano destes; à esquerda, o Pichupichu, que é
um conjunto de 14 vulcões. Todos eles estão
apenas adormecidos, não extintos.
Visitámos o Mosteiro de Santa Catalina, um emaranhado
de ruelas com nomes espanhóis, as celas onde as
monjas viviam, vários claustros e a curiosidade
das paredes estarem pintadas de ocre e azul, o que não
é habitual nos mosteiros europeus.
A Plaza de Armas é uma confusão de pombos,
táxis, carrinhas Toyota apinhadas de gente e muitos
vendedores ambulantes, à caça de turistas.
Num dos lados do quadrado fica a catedral, que começou
a ser construída no século 17 e que teve
sucessivas remodelações, devido aos frequentes
tremores de terra, o último dos quais em 2001.
Arequipa já nos deu uma ideia aproximada das cidades
latino-americanas, tal como as imaginávamos.
Mila, no aeroporto de Arequipa, com El Misti, à
esquerda, e Pichupichu, à direita
Terça, 18 de Maio
10h45 – Junto à piscina
Pouco depois das 10 da noite, estávamos a dormir.
E foi seguido. A Mila acordou às 5 e picos e eu,
uma hora depois.. prontos para andar, que é do
que gostamos. O pequeno-almoço foi fraco. Estes
tipos não têm pão, aquilo a que chamamos
pão: umas tostas ranhosas e umas coisas vagamente
semelhantes a pão, mas que não são
pão.
Às 8h estávamos a caminho da Plaza de Armas,
descendo a Calle Jerusalem. A confusão já
era muita, com destaque para os minúsculos táxis
Daewoo Pico, que parecem carrinhos de brincar. Há-os
de todas as cores, de preferência cores berrantes,
decorados com inscrições em letras fosforescentes
e com placas publicitárias nos tejadilhos. Percorrem
as ruas a uma velocidade vertiginosa e, em vez do claxon
habitual, emitem uma espécie de silvo. Lá
dentro, para além do motorista, mais cinco pessoas
amontoadas. Nas carrinhas Toyota, vimos 12 pessoas e mais.
Esta espécie de transporte público não
tem paragens assinaladas. Deu-nos a sensação
que param em esquinas predeterminadas. Nessa altura, salta
lá de dentro um tipo que grita uma série
de nomes – suspeitamos que sejam os sítios
por onde a carrinha vai passar. Quem estiver interessado,
entra; caso contrário, espera pela próxima
carrinha, que vem logo atrás, porque são
às centenas. No ar, um cheiro pestilento a gasóleo.
Em alguns cruzamentos, polícias sinaleiros. Junto
à Plaza de Armas, um polícia sinaleiro,
cujo sexo não conseguimos estabelecer, deu-nos
as boas vindas a Arequipa, com uma voz aflautada; usava
luvas com listas vermelhas e brancas (as cores da bandeira
do Peru) e dirigia o trãnsito com gestos efeminados.
A Calle Jerusalem é uma rua comprida e feia, com
casas de um ou dois pisos, incaracterísticas. Porta
sim, porta sim, lojas que anunciam excursões aos
Colca Canyon e ligações à internet;
vimos lojas que vendem lápis, cadernos e bebidas.
A Plaza de Armas, às 8h 30 já tinha muito
movimento: os vendedores ambulantes vendem bonequinhas
tradicionais, postais ilustrados e medalhas para fazer
promessas à Nossa Senhora de Chapi. Em Fátima,
usam-se velas com formas das várias partes do corpo
humano; aqui, usam-se estas medalhas, que têm imagens
de uma casa, um par de noivos, um homem ou uma mulher,
conforme o pedido que se quer fazer á santa. Outra
curiosidade: homens com máquinas de escrever debaixo
do braço; mais tarde fotografámos um, que
escrevia uma carta, que outro lhe ditava – coisas
do analfabetismo, certamente.
Percorremos os quarteirões que rodeiam a Plaza,
vendo as diversas casas coloniais, algumas enormes, por
isso chamadas casonas, o que me parece correcto. Caminhámos
até ao Mosteiro de Santa Catalina, fotografámos
fachadas e camionetas incríveis e uma clínica
com doentes á porta, esperando que abrisse –
afinal, não é só em Portugal que
os doentes vão para a porta do Centro de Saúde.
E ao fundo, pairando, os cumes gelados do Chachani. Telefonámos
à família numa praça muito tranquila,
recentemente restaurada.
Novamente na Plaza de Armas, que fotografámos de
todos os ângulos, entrámos numa lojinha para
comprar algumas recordações e regressámos
ao hotel, onde nos esperava uma mensagem: o nosso voo
para Puno passou das 16 para as 17h20. teremos que almoçar
mais uma vez no hotel.
Agora, estamos estirados nas cadeiras, à beira
da piscina, tranquilamente. Não está aqui
mais ninguém e a calma seria total se não
fosse a música de fundo; desta vez, uns violinos
estridentes, com sonoridades orientais. Ainda não
entendi esta ligação do Peru ao Oriente...
16h30 – sala de espera do
aeroporto Alfredo Rodriguez Balon
Fizemos o check in, com a ajuda da assistente da Lima
Tours e deparámos com uma sala de espera com uma
dúzia de pessoas, sentadas em silêncio respeitoso
em frente á televisão – todos assistindo
religiosamente á telenovela da tarde, incluindo
as empregadas das seis lojas do aeroporto e os seguranças.
Silenciosamente, passámos por trás dos espectadores
e sentámo-nos, tentando não perturbar o
espectáculo.
Já com os cartões de embarque, saímos
para o parque de estacionamento deserto e fomos fotografar,
mais uma vez, o Chachani, o Misti e o Pichupichu..
Puno
21h00 – Hotel Libertador Isla Esteves, quarto
405, 3800 metros de altitude
Da janela do nosso quarto, a toda a largura, vemos o Titicaca
e, ao fundo, as milhares de luzinhas de Puno.
O voo entre Arequipa e Juliaca foi apenas de 25 minutos
e só entraram no avião mais quatro pessoas,
além de nós. O avião passou mesmo
ao lado Misti, o que quer dizer que não subiu mais
do que uns cerca de 5 mil metros.
À nossa espera, no aeroporto Inca Manco Capac,
dois elementos da Lima Tours. Entre Juliaca e Puno foram
cerca de 40 minutos de estrada péssima, cheia de
buracos. O guia era muito simpático e foi-nos dando
informações sobre o Peru em geral e Puno
em particular; tive oportunidade de lhe perguntar se as
coisas estavam melhores, desde que Fujimori se foi embora,
mas ele disse que não. O presidente Toledo parece
estar atolado em corrupção. Fujimori volta,
estás perdoado!
Pelo caminho, atingimos a altitude de 4000 metros. Não
sentimos nada de especial.
O hotel fica numa espécie de ilhota do lago Titicaca
e fomos recebidos com mate de coca, para minorar os efeitos
da altitude mas, até agora, tirando uma ligeira
dor de cabeça, no pasa nada...
O jantar não foi mau: canja para os dois, filete
de peixe rei para a Mila e filete de alpaca para mim.
Agora, depois do duche, estamos na caminha, que amanhã
vamos acordar às 6.
Quarta, 19 de Maio
9h10 – algures no lago Titicaca – os Uros
Efeitos da altitude: noite muita agitada, com acordares
sucessivos, nariz entupido, ligeira dor de cabeça.
E a Mila constipada, com espirros e cara de poucos amigos.
Acordámos às 6, tomámos o pequeno
almoço e às 7h30 estávamos numa lancha
a motor, com mais 20 turistas de Itália, Alemanha,
Chile, Brasil, Suíça, França, Canadá
e EUA, para o passeio pelo Titicaca.
De manhã, o nascer do sol reflectido nas janelas
das casas de Puno, à beira do lago, é um
espectáculo espantoso.
O passeio começou com a visita às bizarras
ilhas flutuantes dos Uros. Os tipos vão sobrepondo
raízes de uma planta aquática, a tutora,
camadas sucessivas, até obterem uma plataforma
com cerca de 2 metros de espessura, e vivem em cima daquilo.
Têm escola, posto médico mercearia e tudo.
São 45 ilhas que flutuam no lago Titicaca. Assim
vivendo, os Uros não pagam impostos. Claro que,
hoje em dia, os Uros vivem praticamente só do turismo
e, quando chegámos, estava tudo montado para nos
receber: as banquinhas com a tralha do costume, os putos
à nossa volta, vendendo postais e bugigangas.
Artur no beiral de uma ilha flutuante dos uros
Andar sobre estas ilhas é algo de
insólito; os pés parecem afundam-se nas
tutoras e todo o corpo vai abaixo. Estranho mas fascinante...
15h20 – a ilha de Taquile
Um povo teve uma grande ideia: deixar de trabalhar e passar
a viver só para o turista. Fomos visitar esse povo,
na ilha de Taquile, em pleno Titicaca. Está tudo
pensado ao pormenor, de modo a despertar a curiosidade
do turista. Após de cerca de 2 horas de lancha
a motor, chegamos ao porto de Taquile, que não
passa de um estrado de madeira, sobre estacas, onde as
lanchas são amarradas. Os turistas desembarcam
e o guia dirige-se logo a uma barraca, onde paga a nossa
entrada na ilha. Seguem-se quase 5 km a subir pela ilha
acima, por um caminho pedregoso e irregular. Se o lago
está a 3800 metros acima do nível do mar,
nós escalamos a ilha até aos 4 mil metros.
Pelo caminho, estrategicamente colocados, um ou outro
índio expõe-se a ele próprio, pondo-se
a jeito para a foto e esperando, em seguida, pela propina:
um velho a tricotar um barrete (entre os Taquiles, são
os homens que tricotam), duas meninas vendendo pulseiritas,
uma mulher com uma roca. Nós vamos subindo e vamos
fotografando e vamos dando propinas. A paisagem lá
de cima é espectacular! O Titicaca a perder de
vista e, muito lá ao fundo, as montanhas da Bolívia,
com os picos gelados.
Mila, mais ou menos a meio da escalada da ilha de
Taquile, com o Titicaca lá ao fundo
Após uma árdua escalada, chegamos
a um local indescritível, que é o centro
do pueblo: casas em ruínas, outras em construção
duvidosa, edifícios de um ou dois pisos, com o
adobe à mostra ou com a pintura já muito
estragada, uma capela minúscula, duas ou três
lojecas com barretes e outras peças em lã;
a um canto da praça, quatro homens vestidos a rigor,
comem favas cozidas, com vagens e tudo – são
os líderes da comunidade. Claro que a tribo vive
em comunidade, que é uma coisa que todos os turistas
apreciam. Antes de irmos almoçar, são eles
que decidem a que restaurante é que vamos. Sim,
porque a ilha está cheia de restaurantes, que não
passam de barracões com mesas e cadeiras. O restaurante
escolhido para o nosso grupo ainda fica uns metros mais
acima. Toca a escalar. Almoçámos uma sopa
de quinoa (um cereal local), seguida de peixe (a Mila
comeu peixe rei, e eu truta. Estava delicioso, o almoço.
Terminado o almoço, regressámos à
lancha pelo outro lado da ilha, descendo cerca de 500
degraus escavados na rocha. Amanhã não nos
devemos conseguir mexer!
E aqui está mais um anacronismo: um tribo de quechuas
descobriu um modo de vida muito conveniente – como
a única maneira de ver o Titicaca de cima é
subir a ilha de Taquile, organizaram-se de modo a proporcionar
ao turista um belo panorama, um trekking de média
dificuldade e, claro, um almoço.
Espertos...
Quinta, 20 de Maio
Viagem Puno-Cusco
8h30 – no autocarro
Mais uma surpresa, esta manhã, um extra não
incluído no programa da viagem e que nos custou
apenas 30 soles em gorjetas.
Faltavam 10 minutos para as 7 quando surgiu um rapazito
escanzelado perguntado pelos senhores Santos. Pelos vistos,
os estudantes da Universidade de Puno (sim, Puno tem uma
universidade!) tinham organizado uma manifestação
e bloquearam a estrada. O autocarro que nos levaria a
Cusco estava do lado de lá do bloqueio. Então,
ele agarrou na nossa mala grande (que pesa mais de 30
quilos) e cada um de nós pegou no resto da bagagem
e lá fomos, estrada fora. Cerca de 60 metros mais
abaixo, estava uma das famosas carrinhas Toyota, com quatro
ou cinco tipos lá dentro, com baldes e outros utensílios,
com cara de quem ia para o trabalho. Enfiámos as
malas lá para dentro e eu e a Mila sentámo-nos
ao lado do condutor. E fomos por ali fora, parando duas
vezes para recolher criancinhas que iam para a escola.
Estávamos mesmo numa das carrinhas que servem de
transporte público!
Cerca de 10 minutos depois, chegámos à Universidade.
Grandes pedras bloqueavam a estrada e centenas de estudantes
gritavam palavras de ordem. A carrinha parou e toda a
gente saiu. O resto do caminho tinha que ser feito a pé,
por entre os manifestantes, que nos ignoraram olimpicamente.
Mais dois assistentes da Lima Tours estavam á nossa
espera e carregaram com as malas, passando por cima de
vidros partidos e pedregulhos vários. A confusão
era total. Do lado de lá do bloqueio, dezenas de
Toyotas aguardavam os passageiros que tinham saído
dos transportes do outro lado. O autocarro estava à
nossa espera um pouco mais à frente.
Agora, já vamos a caminho de Cusco. O bus é
confortável, a estrada não está má,
considerando que estamos no Peru e é sempre a direito,
através do altiplano.
Em matéria de turismo, o Peru ainda tem muito que
aprender. Com tanta beleza natural, não seria difícil
fazer um merchandising mais agressivo. Por exemplo, t-shirts
a dizer “estive no Titicaca, a 3800 metros de altitude
e sobrevivi!”
A primeira paragem foi em Pukara, no meio de lado nenhum:
um povoado com algumas dezenas de casas de adobe, com
o habitual aspecto de pobreza e, na praça, um mastodonte
de uma igreja católica. O costume. Visitámos
um pequeno museu com três salas, onde estão
expostos monolitos e cerâmicas encontrados em escavações
arqueológicas na região e que pertenceram
aos índios Pukara, pré-incas, 2500 anos
de idade, mais mês menos mês...
A segunda paragem foi em La Raya, o local que marca a
separação entre os distritos de Puno e de
Cusco, a 4338 metros de altitude! Quer dizer que ultrapassámos
os 4 mil metros acima do nível do mar! E a Mila
notou alguma dificuldade em respirar. Parámos para
fotografar a montanha de Chimboya, com os cumes gelados
e comprar mais umas bonequinhas e umas pantufas para a
Marta. E ainda fotografar autóctones, com os seus
trajes tradicionais, acompanhados pelos seus llamas. A
diferença para o norte de África é
que estes, aqui, não pedem dinheiro, em troca da
foto. No nosso caso, são eles que ganham porque,
assim, nós fotografamos e damos a propina, enquanto
que, em Marrocos, um tipo sente-se inibido e prefere não
fotografar.
O local mais alto por onde passámos: La Raya
– 4338 metros de altitude!
Parámos para um almoço agradável
e rápido e, pouco depois, uma espécie de
quinta, onde pudemos ver de perto lamas e alpacas bebés
– além de mais artesanato, claro; aproveitei
para comprar uma flauta transversal para o Pedro.
Entretanto, a paisagem mudou radicalmente, à medida
que fomos diminuindo de altitude: as montanhas áridas
e castanhas e os campos secos a perder de vista foram
dando lugar a montanhas e prados verdejantes. Estaremos
agora, talvez, a cerca de 3500 metros acima do nível
do mar e 500 metros fazem toda a diferença.
A 120 km de Cusco, parámos em Raqchi, para ver
as ruínas de um enorme templo inca, rodeado de
casas e celeiros. O local terá servido de hospedaria
para os viajantes que se deslocavam entre Puno e Cusco,
a capital do império Inca. O que resta do templo
é uma parede enorme, pelo que as dimensões
devem mesmo ter sido gigantescas. Os espanhóis
trataram de o destruir e os tremores de terra deram cabo
do resto. No lugarejo de Raqchi, tal como ontem, em Taquile,
a Mila distribuiu canetas da propaganda médica.
Foi um êxito – uma dúzia de miúdos,
de mão estendida, pedindo uma caneta.
22h10 – Hotel Libertador,
quarto 370
A última da nossa viagem Puno-Cusco foi num cu-de-judas
chamado Andahuaylillas, um pueblo minúsculo com
uma igreja monumental, toda decorada com frescos e um
altar com uma talha dourada riquíssima. Mais um
anacronismo deste país: uma povoação
miserável, com casas de adobe em muito mau estado,
crianças andrajosas e descalças brincando
pelas ruas e, de súbito, erguendo-se na praça,
uma igreja monumental, insultando a pobreza!
Pouco depois, chegávamos aos arrabaldes de Cusco.
O guia do bus, Saúl, nasceu em Cusco e demonstrou
todo o seu orgulho pela cidade natal que, nas suas palavras,
é uma cidade moderna, com hotéis, restaurantes,
discotecas e internet! Pois os arrabaldes são de
fugir: trânsito caótico, casas em ruínas,
montes de terra e pedregulhos, lojas decadentes, automóveis
abandonados, cães vadios e o cheiro a gasóleo
pairando no ar.
O Saúl é um jovem simpático, cheio
de boa vontade, que fala um inglês péssimo.
Por mais de uma vez tivemos que o ajudar nas suas explicações,
porque lhe faltava o vocabulário. Quando soube
que nós percebíamos, quer o espanhol, quer
o inglês, ficou contentíssimo porque, assim,
só teve que falar em inglês a viagem toda.
Mais uma vez, o acaso turístico juntou, no mesmo
autocarro, para além de dois portugueses (os senhores
Santos), um casal de franceses, alguns ingleses, uns quantos
alemães – éramos 20 pessoas ao todo
e estávamos dependentes das explicações
do pobre Saúl que, para ser um guia turístico
sofrível, necessitaria de mais umas quantas lições.
A viagem entre Puno e Cusco acabou por ser uma passeio
agradável, que nos permitiu conhecer um pouco mais
deste país de contraste e nem demos pelas oito
horas que se passaram.
Cusco
O Hotel Libertador de Cusco é o terceiro desta
cadeia de hotéis e talvez o mais bonito. Fica mesmo
no centro da cidade, em frente à igreja de Santo
Domingo. Depois de nos instalarmos, fomos fazer uma volta
de reconhecimento até à Plaza de Armas.
O centro de Cusco é muito cosmopolita e todo virado
para o turismo e a Plaza de Armas é muito bonita,
destacando-se os varandins de madeira, estilo colonial,
as arcadas a toda a volta da praça, as igrejas
e, ao fundo, em redor, nas encostas montanhosas, as luzinhas
de centenas de casas.
Amanhã, conheceremos melhor esta cidade.
Quanto ao soroche, parece ter-se instalado na Mila, que
se cansa com muita facilidade, até a comer!
Jantámos no hotel, enquanto um grupo folclórico
toca e dançava modinhas.
E vamos dormir...
Sexta, 21 de Maio
13h30 – lobby do Libertador
Esta noite dormi bem; a Mila continua com jet lag e soroche,
pelo que adormece que nem uma pedra às 10 da noite
e às 3 da matina está acordada...
Após o pequeno almoço, partimos em busca
de Cusco e andámos toda a manhã um total
de 10 km, embora “despacio”, por causa da
altitude.
Mila na Plaza de Armas, em Cusco, com a Catedral ao
fundo
Regressámos à Plaza de Armas,
que fotografámos de todos os ângulos. Autóctones
abordam-nos a todo o momento, com propostas que vamos
recusando: passeios a cavalo, postais ilustrados, escovar
os sapatos, bonequinhas tradicionais, refeições
típicas, etc. numa das ruas circundantes, duas
criancinhas, vestidas com trajes tradicionais e com um
cachorro ao colo, fazem-se a uma foto, em troca de umas
moedas. Não resistimos. Depois aparece uma mulher
de idade indefinida que nos convence a comprar duas cabaças
com motivos incas.
Fomos caminhando, aparentemente sem destino, notando os
varandins de madeira esculpida, os portais coloniais e
as bizarrias próprias destes locais, como uma farmácia
com internet, denominada, obviamente, Farmanet. Das lojinhas
para turistas, música peruana sai pelos altifalantes
e, rua sim, rua não, mais uma versão do
El Condor Pasa. Já devemos ter ouvido mais de 300
versões diferentes (nenhuma do Simon & Garfunkel,
por acaso...). Bebemos dois expressos e comemos uma torta
de queijo na Calle del Sol. Outra bizarria: nesta rua,
à porta dos bancos, tipos fazem câmbios;
numa mão, uma calculadora, na outra, um maço
de dólares; mais abaixo, á porta da telefónica,
mulheres vendem cartões para telefonar.
De regresso à Plaza de Armas, metemos por uma rua
bem estreita e, depois da insistência da Mila, subimos
uma outra rua muito íngreme, bem devagarinho, por
causa da falta de ar – e estávamos na parte
mais antiga de Cusco, com ruas estreitas, com canais para
que a água das chuvas possa escorrer encosta abaixo,
uma vista espectacular sobre o vale, muitos restaurantes,
galerias de arte e lojas de recuerdos. Na Plaza de San
Blas, a Mila comprou três tangerinas a uma velhota
e eu consegui comprar duas latas de Inca Cola –
que as ruas do peru estão tão limpinhas,
que nem beatas há no chão, quanto mais latas.
Também é verdade que raramente vi um peruano
a fumar – a altitude deve desaconselhar tal vício.
E esta: o peru deve ser o único país do
mundo onde a cola é amarela!
Antes de subirmos a tal rua, mais duas criancinhas vestidas
a rigor caçaram a Mila para mais uma foto, desta
vez com um cordeirinho ao colo. Em todo o lado nos perguntam
de onde somos, se estamos a gostar de Cusco, se nos têm
tratado bem. Gente simpática, uma terra bem bonita
onde nos sentimos bem.
Almoçámos numa pizzaria: uma entrada de
ceviche de peixe rei (peixe cru “cozinhado”
em sumo de lima e picante à brava, para o meu gosto)
e, depois, uma pizza vulgar.
19h15 – depois do tour
Fizemos um tour da cidade bastante interessante porque
visitámos sítios que, a penates, tinha sido
impossível.
A guia, Sílvia, era uma daquelas pessoas que se
entusiasmam com o seu trabalho. Explicou tudo muito bem
explicadinho, por vezes explicado demais, na medida em
que nos encheu de informação, a maior parte
da qual se evapora á medida que a visita prossegue.
Éramos um grupo de 20 pessoas, de diversas nacionalidades,
mais uma vez juntos por casualidade.
Começámos pelo Convento de Santo Domingo,
construído sobre as ruínas do Templo de
Qoricancha – um complexo que inclui o Templo do
Sol e o Templo da Lua, entre outros. Lá estão
os enormes blocos de pedra que os incas talhavam na perfeição
com a ajuda de hematites. O desprezo de Sílvia
pelo Convento católico era evidente – toda
a sua atenção, durante a visita, se concentrou
no que resta da grande construção inca.
E o que espanhóis não destruíram
foi o que definitivamente não conseguiram destruir,
já que nunca conseguiram perceber a chamada “chave
da abóbada” ou “keystone”, isto
é, a pedra essencial que mantém todo o conjunto
de pedras no seu devido lugar.
Seguidamente, visitámos a Catedral de Cusco, outra
enormidade, como se os castelhanos quisessem mostrar aos
conquistados que eram capazes de construir templos muito
maiores que os deles, em plena capital do império
inca; altares em talha dourada e prateada, riquíssimos,
enormes frescos, gigantescas telas. No entanto, todos
estes trabalhos foram executados pelos índios,
sob direcção dos castelhanos e, portanto,
aqui e ali, motivos locais dão um certo toque de
anacronismo; por exemplo, numa tela da última ceia,
o prato que Cristo e os apóstolos se preparam para
degustar é, nem mais nem menos, que um porquinho
da índia, prato típico desta região.
Seguimos depois para a Fortaleza de Sacsayhuaman, que
Sílvia pronunciava de modo a que nos soava a “sexy
woman”. Sacsayhuaman foi edificado no alto de um
monte que domina Cusco, a cerca de 3800 metros de altitude.
Grandes blocos de pedra numa extensão enorme. A
guia, cheia de energia, propôs que subíssemos
uns quantos degraus de pedra para que, do alto de uma
outra colina, pudéssemos observar melhor todo o
complexo. Chegámos lá a cima cheios de soroche.
Se alguém me tapasse a boca, cairia para o lado.
Um dos turistas afirmou: “I left my heart here!”.
Mas o panorama era, de facto, soberbo: os tais enormes
blocos de pedra, agarradinhos uns aos outros como pedras
de Lego e, ao fundo, no vale, 300 metros mais abaixo,
a cidade de Cusco e, mais ao fundo ainda, os picos gelados
dos Andes.
O sol estava quase a pôr-se, mas ainda fomos ver
mais algumas ruínas incas: Puca Pucara, uma espécie
de torre para vigiar o avanço dos inimigos; Tambomachay,
uma construção em redor de uma nascente;
e Qenqo, uma espécie de gruta com um altar para
sacrifícios (aqui, já tinha anoitecido e
a visita foi vista à luz de isqueiros...)
Terminámos o tour por volta das 18h, na Plaza de
Armas e regressámos ao hotel.
22h – depois do jantar
Às 8h levaram-nos para um jantar no Tupura, na
Plaza de Armas. Foi um jantar buffet, daqueles mesmo para
turista ver, com grupos locais tocando e dançando.
Enfim, estava incluído na viagem, mas era dispensável...
Amanhã, partimos para o vale Sagrado dos Incas.
A viagem tem sido óptima e os serviços da
Lima Tours excelentes. Esta forma de viajar é porreira.
Não estando incluídos em nenhum grupo, estamos
à nossa vontade, não temos que aturar companheiros
de viagem eventualmente indesejáveis e temos sempre
tempo por nossa conta.
Vale de Urubamba
Sábado, 22 de Maio
15h50 – Vale de Urubamba, Hotel Sol y Luna, bungallow
nº1
Que surpresa! No meio de lado nenhum, um local tão
aprazível como este Sol y Luna, um conjunto de
bungallows, desviado alguns metros da estrada e que é
um verdadeiro paraíso: flores de todas as cores
e feitios, abelhas saltitando, pássaros e passarocos
a esvoaçar e a chilrear e, a toda a volta, os Andes,
com picos atrás uns dos outros. E uma calma, uma
tranquilidade, um descanso do outro mundo.
Às 9 da manhã, vieram buscar-nos ao Libertador:
um motorista, Fred e a guia, Marlene, para uma excursão
privada ao Vale Sagrado dos Incas.
Depois de subirmos, novamente, até aos 3800 metros
de altitude, passando por Sacsayhuaman, começámos
a descer e foi descer a sério. Os meus ouvidos
deram sinal várias vezes. Estávamos a abandonar
a altitude, que deixou algumas marcas, embora ligeiras,
sobretudo a insónia, para a Mila, dores de cabeça,
algumas tonturas, dificuldade em respirar, sobretudo a
subir e epistáxis ligeiras. De resto, podemos dizer
que aguentámos bem a altitude, tendo em conta,
sobretudo, a escalada de Taquille e, ontem, a subida de
Sacsayhuaman. Incomodou-nos mais o cheiro a gasóleo
das ruas de Puno e Cusco.
Continuando a descer, em direcção ao Vale
de Urubamba, parámos numa espécie de fábrica
artesanal, tipo caça-turistas; uma zona com exemplares
dos vários tipos de lamas, alpacas e vicuñas
e, depois, mulheres e crianças, em trajes regionais,
demonstrando os diferentes passos, desde que a lã
é tosquiada até à confecção
dos tecidos: o modo como se fia a lã, os métodos
que se usam para a tingir, com cores naturais, a tecelagem
propriamente dita, em teares obviamente manuais e, finalmente,
a loja, onde comprámos um pano, porque parecia
mal não comprar, e porque é muito bonito,
apesar de carote...
A guia revelou-se uma fulana ávida em prestar informações
e, depois de nos ter dado uma lição sobre
ervas medicinais, que abundam na região de Cusco
e que tudo curam (não percebo porque a esperança
de vida é tão baixa...), falou-nos longamente
da lã, dos llamas e derivados. Mas o melhor ainda
estava para vir...
Mais abaixo, já em pleno Vale Sagrado, parámos
em Pisac, para dar uma volta pelo mercado local, onde
comprámos mais bonecas, outra quena, uma toalha
e mais bonecas. A Mila deixou-se ser assaltada pelas miúdas
que nos tentam impingir diversos objectos e acabou por
comprar dez títeres, a um sole cada um (26 cêntimos!),
o que é um insulto para o trabalho que cada dá
a fazer. “Señora, compra-me el llama, el
cóndor, el macaquito con su hijo, la mariquita!...”,
dizem as miúdas, sempre sorridentes. Comprámos
e demos-lhes canetas!
Continuámos, depois, através do Vale, a
estrada acompanhando a linha férrea que, por sua
vez, acompanha o curso do rio Vilcanota, que os incas
acreditavam reflectir-se na Via Láctea. Passámos
pela cidade de Urubamba, que é um pequeno aglomerado
de casas ao longo da estrada, com crianças aos
pulos e vacas pastando nas bermas; algumas casas têm
um pau enorme, com um pano vermelho na ponta, o que quer
dizer que, naquela casa, se vende chicha, que é
uma espécie de cerveja feita a partir de milho.
E chegámos a Ollantaytambo, onde a estrada termina,
dando lugar a um caminho empedrado, que termina num local
arqueológico bizarro: pela montanha acima, terraços
ou socalcos a perder de vista e, no topo, seis enormes
blocos de pedra rosada, que fariam parte de um enorme
templo inca. Para lá chegar, mais uma escadaria
íngreme e mais uma escalada na nossa viagem ao
Peru. Antes de começarmos a subir, a guia deu-nos
uma injecção de História do seu país,
ao mesmo tempo que o céu se toldava e se levantava
uma ventania ameaçadora. E a mulher não
se calava! Tal como a guia, ontem, em Cusco, a Marlene
expressou todo o seu orgulho pelos antepassados e toda
a sua raiva contida pelos “conquistadores”,
os espanhóis que ali chegaram e tudo destruíram
e tudo roubaram. Falou-nos da falsa crença de que
os incas seriam extra-terrestres, que teriam caído
dos céus aos trambolhões – provavelmente,
não passaria de descendentes dos tiaguanacos, vindos
de Puno, terra árida, em busca das terras férteis
do Valle de Urubamba. Às tantas, a Marlene baralhou-se
um pouco, sobretudo quando começou a falar de Cristóvão
Colombo e de Fernão de Magalhães que, segundo
ela, teriam sido enviados pelos reis de Espanha para provar
que a Terra não era plana. Enfim...
O anacronismo deste império inca é que a
sua História começa por volta do ano 800
da nossa Era e termina a 1532, com a chegada do Pizarro.
Nesses escassos 700 anos, o império expandiu-se,
a partir de Cusco, até Quito, no Equador, Chile,
Bolívia e Argentina; construíram-se monumentos
grandiosos, com técnicas algo sofisticadas, arrastaram-se
gigantescos blocos de pedra, de uma montanha para a outra,
trabalhou-se o ouro e a prata, desenvolveu-se toda uma
cultura e, de súbito, 11 milhões de incas
deixaram-se subjugar por 200 espanhóis!
Quando a Marlene terminou a sua prédica, lá
iniciámos a escalada. Ao contrário do que
é habitual, a Mila não contou os degraus,
tão concentrada estava em não escorregar
por ali abaixo. No topo da montanha, os tais seis enormes
monolitos rosados que, obviamente não pertenciam
àquela montanha, mas sim a outra, em frente, do
outro lado do vale!
E bem lá no alto, uma cena confrangedora: um puto,
com cerca de 8 anos, vestido com trajes tradicionais,
o barrete de lã na cabeça, a sacola, o colete,
sentado num pedregulho. “Que faz aqui este menino
sozinho?”, perguntamos. “Vive numa aldeia
de índios, lá longe; como hoje é
sábado e não tem escola, vem até
aqui para cantar para os turistas.” – disse
a Marlene – “não querem ouvi-lo cantar?”
Não podíamos dizer que não. E o puto
levanta-se e canta uma cantiga em quechua. Confrangedor,
de facto! Ali estavam dois portugueses, no topo de uma
montanha dos Andes, a ver um puto a cantar! No fim da
canção, a Mila deu-lhe uma moeda, claro.
Ter-lhe-ia dado o dobro para não ter que assistir
a esta cena...
Mila no alto do Templo de Ollantaytambo
Bom.... depois, foi a descida que, nestas
coisas, é sempre pior que a subida: um tipo olha
para baixo e sente vertigens.
Terminada a visita, viemos, então, para esta maravilha
do Sol y Luna, onde pernoitaremos.
Agora, sentados no terraço do nosso bungallow,
desfrutamos esta tranquilidade, com os Andes a vigiarem-nos
e muitos beija-flor á nossa volta, chilreando e
batendo as asas...
Machu Pichu
Domingo, 23 de Maio
15h10 – estação de Águas Calientes
Quem não viu Machu Pichu não viu nada!
Assim como vale a pena ir ao Egipto só para ver
as pirâmides, vale a pena vir ao Peru só
para ver Machu Pichu (acentuar o “a” e o “i”
e não os “u”).
Levantámo-nos às 6 da matina e ás
7h15 partimos em direcção à estação
de Ollantaytambo, numa carrinha com mais quatro americanos.
Logo na estação, começou o espectáculo:
acabara de chegar um comboio cheio de autóctones
e, de um furgão de carga, começam a sair
dezenas de peruanos com enormes trouxas às costas
– eram vendedores ambulantes que se dirigiam para
o mercado que fica em frente ao Templo de Ollantaytambo.
Impressionante o modo como corriam, por cima das pedras
da linha férrea, carregando volumes muito maiores
que eles próprios.
Depois, chegou o nosso comboio e começou a travessia
do Vale Sagrado, sempre ao lado do Vilcanota. Uma experiência
única! À medida que avançávamos,
a vegetação ficava mais luxuriante e, na
parte final da viagem, a toda a volta do comboio, árvores
com flores parasitas, trepadeiras empoleiradas nos cabos
eléctricos, a selva em toda a sua pujança.
No início da viagem, que durou hora e meia, veio
ter connosco um tipo simpático, chamado Washington,
que se apresentou como nosso guia. Isto é que é
organização!
Ao longo do trajecto, vimos mais algumas ruínas
incas, encravadas nas encostas das montanhas e o famoso
inca trail: quem queira e tiver força nas pernas,
pode caminhar entre Cusco e Machu Pichu, por um percurso
através das montanhas, que terá sido usado
pelos incas; são 4 dias de caminhada.
Chegámos à estação terminal
de Águas Calientes e mudámos para um mini-bus,
que nos levou 400 metros mais acima, ao longo de 8 quilómetros
de curvas e contracurvas; a Mila contou 16 curvas de 180
graus.
Lá no alto, deixámos a mala num armazém
e iniciámos a visita de Machu Pichu, guiados pelo
tal Washington e integrados num grupo de uma dúzia
de pessoas.
Artur em Machu Pichu – rodando a foto 90 graus,
lá está o perfil do índio na montanha
Não vou entrar em pormenores históricos
sobre Machu Pichu. Vem tudo nos livros; por exemplo, que
a cidade foi encontrada em 1911 por um americano (Hiram
Bingham), que sacou tudo o que pôde, nomeadamente
cerâmicas e objectos em ouro, que estão agora
no museu da Universidade de Yale. História repetida
e já conhecida. Estes e outros pormenores estão,
como disse, nos livros. O que me interessa foi o que sentimos,
durante a visita ao Santuário de Machu Pichu.
Começámos por mais uma escalada de dezenas
e dezenas de degraus escavados na rocha – tem sido
a nossa sina, nesta viagem! Subir, quando já estamos
tão altos!
Depois, chegados lá a cima, a visão é
única: o conjunto de terraços decorativos,
as casas, os celeiros e os templos, com as montanhas verdejantes
a toda a volta; é simplesmente espectacular e difícil
de descrever por palavras. Vimos o Templo do Sol, com
uma janela por onde o sol entra no solstício de
Inverno (21 de Junho), o templo do Condor, o calendário
solar, o Templo das Três Janelas. Vimos, na montanha,
o perfil do índio, a face do puma, o condor de
asas abertas. Subimos e descemos degraus e tirámos
dezenas de fotos a este lugar singular. Pouco importa
se era uma cidade, se era um local de culto, se era ambas
as coisas – o que importa é que é
um sítio insólito, a 2400 metros de altitude,
no meio da selva andina.
Cansados, sujos de pó, almoçámos
no Sanctuary Lodge e regressámos a Àguas
Calientes. Neste pequena povoação ainda
se notam os efeitos de uma derrocada, ocorrida há
cerca de um mês e que destruiu algumas casas e levantou
os carris, deixando cerca de 500 turistas isolados, que
foram, depois, resgatados de helicóptero.
Alguém disse que, em qualquer momento,
em algum lugar do mundo, está a tocar uma canção
dos Beatles. Hoje já ouvi duas: “Here, there
and everywhere”, na música ambiente do comboio,
em versão instrumental, tipo música de elevador,
e “Yesterday”, tocada numa quena por um vendedor
ambulante do mercado de Águas Calientes.
Estamos de regresso a Cusco. De comboio, serão
4 horas de viagem. A primeira parte da viagem, até
começar o vale, é impressionante porque
existem troços em que o comboio passa entalado
entre duas montanhas imponentes. Depois, entramos no vale
e as montanhas recuam. Além, em frente, está
um pico altíssimo e, abaixo dele, um floco de nuvem;
mais ao lado, um pico coberto de neve.
Uma curiosidade desta viagem de comboio: a viagem é
longa, começa a anoitecer e há que entreter
os passageiros. Como o comboio não tem monitores
onde possamos ver algum documentário ou um filme,
assistimos a uma passagem de modelos efectuada pelos dois
empregados da carruagem; é verdade: o rapaz e a
rapariga que nos verificaram os bilhetes e nos indicaram
os nossos lugares, despiram os uniformes, vestiram camisolas
e casacos e écharpes em lã de alpaca e estão
a desfilar pela coxia do comboio!
E esta?!
22h30 – Cusco, Hotel Libertador,
quarto 370
O final da viagem de comboio reservou-nos outras surpresas.
Em primeiro lugar, o facto de o comboio, nos arredores
de Cusco, passar literalmente junto às casas, roçando
praticamente as paredes. Era ver o comboio passar e o
pessoal, nas ruas, acenando aos turistas, nomeadamente
crianças pequenitas, sozinhas, aos pulinhos, mesmo
junto ao comboio – quais guardas, quais passagens
de nível! Isso é para o Primeiro Mundo!...
Em segundo lugar, o estranho facto de termos visto vários
casais de namorados, dando beijinhos e trocando carícias
mesmo junto à linha férrea, aproveitando
o escuro da noite; será estimulante namorar ao
pé de carris?
Em terceiro lugar, o modo como o comboio se aproxima da
cidade. Depois de atravessar o Vale Sagrado, o comboio
sobe uma das montanhas que rodeiam Cusco. Às tantas,
apagam-se as luzes das carruagens e temos uma vista aérea
da cidade. Fantástico! As luzinhas das casas espalhando-se
pelo vale – porque, apesar de ficar a 3500 metros
de altitude, Cusco fica num vale (acrescente-se, aliás,
que o Vale Sagrado tem uma altitude média de 2800
metros...). depois, o comboio inicia a sua lenta descida
para a cidade, mas fá-lo em ziguezague; avança
um pouco, muda de linha, desce mais um pouco, recuando,
muda de linha e anda em frente novamente e, assim sucessivamente,
durante cerca de uma hora, até chegar à
cidade.
Segunda, 24 de Maio
11h40 – aeroporto de Lima
Hoje está a ser um dia de seca. Estamos em trânsito.
Acordámos às 6 da manhã e às
7h30 o nosso transfer levou-nos até ao aeroporto
de Cusco – que dizem, com ironia, ser internacional
porque, além dos voos nacionais, tem voos para
La Paz, na Bolívia.
O avião partiu às 9h15 e uma hora depois
estávamos em Lima. Depois, fizemos o check in do
voo para Iquitos, deixar duas malas no armazém,
para não irmos carregados para a selva e pronto!
Agora, temos que esperar até às 17h30! Vão
ser mais de 7 horas fechados no aeroporto que, ainda por
cima, está em obras e não tem nenhum local
para um tipo se sentar, a não ser nos restaurantes!...
Entretanto, fomos aqui a uma mini-free shop e comprei
quatro latas de cerveja peruana (Cusqueña, pequena
e grande, Callao e Cristal), já que não
consegui encontrar nenhuma pelas ruas. Depois, fechei-me
na casa de banho e despejei o conteúdo das latas
na sanita, para não ir carregado. Foram mais de
2 litros de cerveja pelo cano abaixo, a bem da colecção!
Lima está coberta de bruma, que parece ser habitual
na maior parte dos dias, o que faz atrasar muitos voos.
Com tanto tempo pela frente, penso que vou acabar de ler
“O Código Da Vinci”, o excelente livro
que trouxe para o Peru.
Amazónia
Terça, 25 de Maio
12h00 – Ceiba Tops, bungallow 701
Hoje bebi sumo de cocona e só por isso, o dia está
ganho e a seca de ontem foi esquecida!
O voo para Iquitos só saiu de Lima por volta das
18 horas!
Passeámos em redor do aeroporto, almoçámos,
passeámos outra vez, bebemos um café, andámos
de um lado para o outro, lemos e foi uma seca monumental!
Depois de um voo de hora e meia, aterrámos em Iquitos
e, assim que saímos do avião, sentimos o
bafo do calor e o cheiro a bolor, tal e qual como em Manaus,
no ano passado.
Levaram-nos para o Hotel Dorado Plaza, através
de ruas muito movimentadas, com centenas de triciclos
motorizados e autocarros giríssimos, de revestimento
em madeira colorida e com janelas sem vidros. Trânsito
caótico, como já vem sendo hábito,
mas totalmente diferente de Arequipa, Puno e Cusco –
parece que estamos noutro país!
O Dorado Plaza fica em plena Plaza de Armas e é
um daqueles hotéis com os quartos virados para
o lobby. Ar condicionado no máximo, claro. Jantámos,
bebemos o café e toca a dormir.
Esta manhã, levantámo-nos às 6h e
ainda tivemos tempo para dar uma pequena volta em redor
da Plaza de Armas, ver o rio (um afluente do Amazonas),
as casas sobre palafitas, a bagunça das ruas, a
Iron House (uma construção de Eiffel) e
tornei-me membro do FBI. No lobby do hotel, num jornal
local, tinha visto o anúncio. Procurei a rua indicada
e comprei a t-shirt que me conferiu o grau de membro do
FBI – “Federacion dos Borrachos de Iquitos”;
trata-se de uma brincadeira de alguns ingleses ou americanos
residentes em Iquitos e parte da receita da venda das
t-shirts reverte para as crianças pobres de Iquitos.
Fui atendido por um inglês bem disposto e barrigudo
que, depois de me vender a t-shirt, exclamou: “Welcome
to the club!”
Às 9h30 vieram buscar-nos. Seguimos num daqueles
autocarros sem vidros nas janelas, juntamente com um grupo
simpático e americanos que se espantaram com a
nossa pronúncia (pois não! Habituados aos
peruanos a falar inglês!...) e fomos até
ao molhe. Aí estava o nosso guia privado, Paul,
que nos deu todas as informações sobre esta
nossa curta estadia na Amazónia. Depois de 40 minutos
numa lancha a motor, que parecia voar sobre as águas,
chegámos ao Ceiba Tops, um simpático conjunto
de bungallow à beira do Amazonas e com selva a
toda a volta.
Antes do almoço, já fizemos um passeio de
2 km por aqui, fotografando plantas estranhíssimas,
formigas gigantes, uma iguana enorme e outras curiosidades
selvagens.
Ah! E fomos recebidos com um copo do tal sumo de cocona,
que é delicioso, como o seu nome indica!...
16h45 – depois da caminhada
Depois do almoço, que estava óptima (dourado,
um peixe do Amazonas, com arroz e um feijão divinal),
fomos fazer a caminhada na selva. Cerca de 5 km em duas
horas, com o nosso guia privado, Paul.
Esta selva pareceu-nos mais selvagem que a de Manaus,
ou então, pudemos apreciá-la melhor porque
não fomos em grupo. Além da vegetação
luxuriante, com flores lindíssimas e árvores
espectaculares, andámos atrás de um bando
de macacos, vimos um abutre fêmea que guardava o
seu ninho com dois ovos, borboletas fantásticas,
diversas variedades de rãs minúsculas, que
pareciam pequenas folhas de árvore e, claro, milhões
de mosquitos, que não nos largaram. Mais uma vez,
o Previpic parece ter sido eficaz porque ainda não
demos por nenhuma picada.
Aqui estamos os dois, durante a caminhada pela selva
A caminhada fez-se por um trilho com muitos
altos e baixos e com locais tão sombrios, devido
à espessa vegetação, que o chão
estava transformado em lama. O guia foi-nos dando informações
sobre as lianas, a árvore que caminha (que em vez
de um tronco único tem inúmeros pequenos
troncos, como se fossem pernas que, depois, confluem para
um tronco comum), os cedros, a gigante ceiba, que dá
o nome ao lodge onde estamos instalados, as diversas qualidades
de gengibre, cujas folhas parecem seda ao toque, frutos
exóticos, os inúmeros fungos que nascem
por todos os lados, um certo tipo de pequenas árvores
que vivem em simbiose com uma espécie de formigas,
as palmeiras, etc.
Foram 2 horas de National Geographic ao vivo e a cores
!
19h45 – no lobby do Ceiba
Tops
O resto da tarde foi passado a acabar a leitura de “O
Código de Da Vinci”, passá-lo à
Mila e começar “O Prémio”, do
Montálban; e dormitar... Por volta das 18 horas,
fomos até junto ao Amazonas ver o crepúsculo
e começou a chover uma chuva grossa e obviamente
tropical, como se alguém tivesse aberto uma torneira,
de repente. E os mosquitos atacaram em força. Fugimos
para o quarto.
Agora, aguardamos o jantar. Aqui, as refeições
são a horas certas: pequeno almoço às
7h30, almoço às 12h30 e jantar às
19h30. O lobby, que se continua pela sala de refeições,
é uma espécie de grande cabana, rodeada
de rede por todos os lados; mesmo assim, à volta
dos candeeiros, centenas de mosquitos enlouquecem. Ao
fundo, o ruído ensurdecedor das cigarras, rãs
e restantes animais, que passam a noite a falar uns com
os outros sobre coisa que não nos dizem respeito.
Ao almoço, contei 23 hóspedes. Agora, apenas
aqui estão 6, além de nós. Os guias
tocam guitarra; além de explicarem a selva, animam
os turistas – já que aqui, obviamente, não
há televisão, nem rádio, nem telemóveis.
Quarta, 26 de Maio
Ontem, adormeci instantaneamente e dormi de seguida até
o guia nos acordar às 5h30! A Mila, pelo contrário,
dormiu aos supetões por causa das comichões.
Desligámos o ar condicionado e o frigorífico,
para limitar o ruído de fundo aos cânticos
dos bichos e hoje acordámos todos picados pelos
mosquitos e com o chão encharcado pelo degelo do
frigorífico!
De madrugada fomos, de bote a motor, até a um braço
do Amazonas, ver pássaros. Birdwatchers –
outra novidade nesta viagem. Vimos gaivotas, papagaios,
periquitos, cucos, garças, martins pescador, um
pássaro que, quando canta, se dobra todo para a
frente, como se estivesse a fazer uma vénia, outro
que, quando canta, abana a cauda para um lado e outro,
ao ritmo do canto. O guia e o homem do leme iam chamando
a atenção para os pássaros que iam
surgindo e faziam-no com entusiasmo, ficando genuinamente
felizes quando descobriam algum pássaro diferente.
Vê-se que gostam do que fazem e que amam a natureza.
Vimos abutres, uma iguana pendurada numa árvore,
um pássaro com a cabeça toda branca, outro
todo amarelo – as margens do Amazonas fervilham
de vida a esta hora da manhã; depois, o sol começa
a aquecer e as aves internam-se mais na floresta, em busca
de sombra.
11h45 – depois de visitar
os yáguas
Regressámos de mais um passeio, ainda mais picados
do que saímos. O Previpic falhou, mas também,
segundo o guia, há mais mosquitos do que habitualmente.
Começámos por ir rio acima, à procura
do golfinho rosado. Andámos às voltas, ao
longo dos vários braços do rio, até
que vimos um. A excitação do guia e do tipo
do leme foi enorme. Lá vimos o golfinho (vista
muito parcial) que, de meio em meio minuto, punha a cabecinha
de fora para respirar.
Ok. Uma parte do programa estava concluída com
êxito. Em seguida – e em vez da pesca da piranha,
que recusámos – fomos ver as Victoria Regina,
uma espécie de nenúfares gigantes. Para
isso, aportámos a uma das muitas ilhotas do Amazonas
e chegámos a uma plantação de abacates
e bananeiras, onde nos aguardava uma família de
autóctones. Embrenhámo-nos na plantação
até a uma pequena lagoa, onde estavam as tais Victoria
Reginas, enormes, algumas com dois metros de diâmetro.
Fomos vê-las de perto, numa barcaça guiada
pelo Aurélio, um rapaz da tal família, que
também nos mostrou um caimão negro bebé,
que tinham capturado no dia anterior e amarrado com uma
corda, para o mostrarem aos gringos – nome por que
são conhecidos aqui os turistas, mas sem o sentido
pejorativo dos filmes de cowboys.
Segunda parte do programa concluído.
Veio então a parte mais folclórica: a visita
a uma aldeia de índios yáguas. Seis ou sete
famílias que vivem de um modo ainda bastante primitivo,
apesar das visitas frequentes dos turistas. Fomos recebidos
pelo chefe, de saiote feito de folhas secas e que estava
constantemente a enxotar as centenas de mosquitos que
o atacavam – e a nós também. Segundo
informação do guia, o chefe desta tribo
de yáguas tem ajudado equipas de antropólogos
no estudo dos índios do Amazonas, trabalho pelo
qual é remunerado; depois, vai a Iquitos e implanta
dentes de ouro!
Foto de família: tribo dos yáguas e
nós os dois
O chefe demonstrou como se lança
uma zarabatana e convidou-me a experimentar e não
me saí mal: a primeira zarabatana caiu no chão,
mas as outras três acertaram os alvo – uma
estaca de madeira espetada no chão, talvez a uns
10 metros.
Seguidamente, o chefe foi buscar um fruto, que abriu e,
raspando com um dedo nas sementes, produziu um líquido
vermelho com que decorou o rosto; e depois, pintou a cara
da Mila também. Terminadas as variedades, fomos
às compras. Claro que os yáguas têm
tudo montado para sacar alguns soles aos turistas. Comprámos
um par de maracas, um colar, uma pulseira e dois sacos
de rede – tudo por 60 soles. Tivemos, portanto,
direito a fotografia de família: juntámo-nos
todos no terreiro, o chefe, várias mulheres e muitas
crianças, e nós os dois, claro, e o Paul
fotografou-nos.
Regressámos ao lodge todos suados, com os ténis
cheios de lama, completamente picados pelos mosquitos,
mas satisfeitos por mais esta experiência.
E bye-bye selva amazónica!
13h30
Estamos prestes a deixar o Ceiba Tops. A lancha partirá
às 15h para Iquitos e, depois, vamos para o aeroporto,
de regresso a Lima.
A estadia em Ceiba Tops foi, sem dúvida, outro
dos pontos altos desta nossa aventura peruana. O pessoal
foi sempre muito simpático, desde o rapaz que nos
serviu as refeições até ao guia que
andou connosco neste dia e meio. As instalações
são óptimas, o local é soberbo, os
passeios foram agradáveis e é com pena que
nos vamos. As refeições foram excelentes,
todas bem confeccionadas apesar dos produtos “sencillos”,
isto é, saladas, legumes, arroz, frango ou peixe,
mas sempre tudo muito saboroso. Hoje, ao almoço,
éramos apenas 5 turistas; disseram-nos que os outros
tinham ido para outros lodges. A Explorama, que é
a concessionária destes locais, tem vários
lodges ao longo do Amazonas e há quem vá
subindo, ou descendo, o rio, e pernoitando nos vários
lodges. Estava aqui um casal de ingleses que vinha por
oito dias, apenas para ver pássaros.
E, de súbito, a chuva. Por alguma razão
chamam a isto “the rain forrest”... Disse-nos
o guia que chove 250 dias por ano. De facto, ontem à
noite choveu a bom chover, desde a hora do jantar até
não dei quando, porque soçobrei ao sono.
Hoje, estávamos a almoçar quando caiu um
aguaceiro forte. Felizmente, não choveu durante
nenhum dos nossos passeios.
19h30 – Voo Iquitos-Lima
Quanto mais viagens de avião faço, mais
medo tenho, sobretudo da descolagem e d aterragem! Há
uns tempos para cá que mantenho os olhos fechados
durante estas duas manobras. O levantar voo assusta-me
especialmente e mantenho os olhos fechados até
que o sinal de “apertar o cinto” se apague,
o que quer dizer, habitualmente, que o avião estabilizou
a altitude.
Nesta nossa viagem ao Peru, o avião tem sido o
meio de transporte mais utilizado. Foi Lisboa-Madrid-Lima,
depois Lima-Arequipa, Arequipa-Puno, Cusco-Lima-Iquitos;
agora Iquitos-Lima e ainda faltam Lima-Ica, avioneta sobre
as linhas de Nasca, Ica-Lima e Lima-Madrid-Lisboa. Uf!
Aqui, no Peru, voámos quase sempre na LAN Peru
e, só agora, de e para Iquitos, é que viajámos
na Aerocontinente. Nestes dois últimos voos, as
hospedeiras serviram-nos um pacote de bolachas com recheio
de queijo e outro pacote com batatas fritas e aperitivos
de queijo, além de uma bebida à escolha
(café, água, inca cola, rum ou vodka!)
Os aeroportos também têm sido outra curiosidade.
O de Arequipa, com os três vulcões à
volta; o de Puno, cuja sala de embarque é pouco
maior que a nossa sala de estar; e o de Iquitos, que pouco
mais é que um barracão, aberto em cima,
junto ao tecto, para manter a (pouca) circulação
do ar e deixar entrar os cabrões dos mosquitos!
Quinta, 27 de Maio
Linhas de Nasca
19h45 – Lima, Swissôtel, quarto 1012
No que respeita ao take off e landing, hoje foi o dia
pior – ou melhor, consoante a perspectiva.
Fomos num avião a hélice da Aerocondor até
Ica, num voo de 40 minutos, sempre com música ambiente
para abafar o ruído das hélices; depois,
sobrevoámos as linhas de Nasca numa avioneta com
6 lugares, incluindo o piloto; e regressámos no
primeiro avião.
E tivemos várias surpresas...
No aeroporto Jorge Chavez, em Lima, na zona dos voos nacionais,
aguardávamos pelo voo das 10h30 quando os nossos
nomes foram chamados na instalação sonora.
Estavam à nossa espera para o voo das 9h30! Fomos
a correr e embarcámos. Pelos vistos, nestes voos
é possível fazer coisas destas: havia duas
vagas, eles sabiam que nós estávamos por
ali e chamaram-nos. No avião, além de nós
os dois, duas americanas e mais de 20 japoneses!
O voo foi bom e curto (38 minutos, precisamente, disse-nos
uma das hospedeiras).
Aterrámos no pequeno aeroporto de Ica e inscrevemos
os nossos nomes e pesos num livro – mais uma vez,
como aconteceu no passeio de helicóptero sobre
o Grand Canyon, há 8 anos, os passageiros da avioneta
iam ser escolhidos pelo peso.
Outra curiosidade: o rapaz que serviu de guia, falava
japonês, aparentemente com fluência. Pelo
menos, os japoneses reagiam quando ele falava... Explicou-nos,
depois, que era fácil falar japonês, porque
existiam muitos vocábulos iguais ao espanhol, embora
com significados diferentes. Deu como exemplo algo como
“una casita”, vocábulo japonês
que quer dizer “tenho fome”, mas que soa como
se fosse uma palavra castelhana. Ok, pode ser, mas eu
não pesco nada de japonês, a não ser
“arigato” e “sayonara”, apesar
de ter passado umas horas com estes japoneses.
Junto ao aeroporto de Ica, há um complexo turístico
com loja de souvenirs, cafetaria, piscina e mini-zoo,
onde vimos o primeiro condor do Peru – um pobre
bicho enorme, fechado numa gaiola. Este condor, coitado,
no pasa!...
Antes de sobrevoarmos as linhas de Nasca, fomos visitar
um pequeno museu muito interessante, com diversas coisas
da cultura dos índios Nasca, que desconhecíamos
em absoluto: cerâmicas ricamente decoradas e em
óptimo estado, múmias muito bem conservadas
para a idade, instrumentos musicais, armas, etc. Os Nasca
viveram entre 2000 AC e 200 DC e, pelos vistos, tinham
uma cultura muito elaborada.
Depois do museu, fomos visitar um oásis. Ica é
uma pequena localidade junto à costa e rodeada
de deserto por todos os lados – as nuvens passam-lhe
por cima e despejam-se nos Andes, de modo que, aqui, chove
três dias por ano (ou serão três horas?
De qualquer modo, chove muito pouco). No entanto, o subsolo
é muito rico em água, razão pela
qual, Ica é verdejante, apesar do deserto que a
rodeia. As dunas são tão altas que dão
para fazer “sand-board” e descida em buggy.
Existe aqui, até a duna mais alta do mundo, com
2 mil metros de altitude, que sobrevoámos a caminho
das linhas.
Andámos um pouco de autocarro, pelo meio do deserto,
até a um pequeno oásis, com palmeiras e
uma lagoa. Depois, regressámos ao aeroporto.
E chegou o momento de entrarmos na avioneta. O guia escolheu
três japoneses para nos acompanharem e o piloto
olhou para o nosso grupo de cinco pessoas, escolhendo-me
a mim para seu “copiloto”. A Mila ficou no
banco de trás. Seguiram-se cerca de 70 minutos
inolvidáveis, para mim, e de tortura para a Mila.
E afinal, é fácil: depois de levantar voo,
o piloto limita-se a carregar nuns botões, rodar
umas roldanas e até se dá ao luxo de tirar
as mãos daquela coisa que não se chama volante,
mas é como se fosse.
Demorámos cerca de 35 minutos a chegar às
linhas. Antes, tivemos que sobrevoar Ica e os Andes, que
ali não são muito altos, mas sempre provocam
alguma turbulência (a Mila diz que foi muito forte...).
depois, é a extensão enorme do deserto,
rasgado pela estrada pan-americana, que vai do Alasca
à Patagónia, e que nós já
tínhamos percorrido em parte, quando viajámos
pela Califórnia.
E começaram a surgir as famosas figuras que os
nascas desenharam no chão do deserto. A primeira
foi o chamado astronauta, gravado na encosta de um monte
(32 metros de altura!) – uma figura antropomórfica
que pode, talvez, fazer lembrar um astronauta desenhado
por uma criança ou, para os mais imaginativos,
alguns extraterrestres dos filmes de Hollywood. O piloto
indicava-nos o desenho, inclinava a avioneta para o lado
direito, para que nós a pudéssemos ver e
fotografar e, depois, inclinava o aparelho para o lado
esquerdo, para que os outros também vissem. E era
nestas manobras, quando o horizonte se inclina todo, que
a Mila ficava mais aflita. Não há dúvida
que faz um bocado de confusão ver o horizonte mover-se
daquela maneira, mas aguenta-se bem, acho eu...
Uma das mais impressionantes figuras de Nasca, conhecida
como o astronauta
Depois do astronauta, as restantes figuras
estão todas gravadas no chão do deserto:
o colibri, o condor (136 metros de comprimento), o papagaio
(200 m.), a árvore (97 m.), as mãos (45
m.), os trapézios; o macaco e o cão, não
consegui ver. Muito estranho, tudo isto! o que terá
passado pela cabeça dos nasca para desenharem estas
figuras no deserto – e não só as figuras,
mas incontáveis linhas, desenhos geométricos,
rectângulos que parecem pistas de aterragem, algumas
com 30 km de comprimento? Foi alemã Maria Reiche
que mais estudou estas linhas; descobertas em 1926 pelo
arqueólogo peruano Toribio Mejia, só em
1941, o marido de Maria, o norte-americano Paul Kosok,
começou a estudá-las com mais seriedade,
passando depois o trabalho à mulher. Segundo a
interpretação de Maria Reiche, estas figuras
representariam uma espécie de calendário
astrológico, para estabelecer as épocas
agrícolas. Há outros investigadores que
dizem que tudo isto é obra de extraterrestres ou
para honrar extraterrestres. Há ainda outros, mais
realistas, que chamam a atenção para o facto
dos nascas consumirem plantas alucinogéneas. Ora
aí está! Parece-me que está tudo
explicado! Só tipos com uma grande pedrada passavam
o tempo a fazer desenhos monstruosos no deserto!...
Brincadeira à parte: ao ver aquelas figuras senti
que estava a viver um momento único na minha vida,
como outros: as pirâmides do Egipto, a torre de
Londres, os pássaros na madrugada do Amazonas,
a ópera de Sydney, a torre Eiffel, os canais de
Veneza, o Pacífico azul turquesa do Tahiti, o Taj
Mahal, a savana do Quénia, o Coliseu de Roma, o
Partenon, e tantos outros landmarks que já tive
a felicidade de ver. Isto já ninguém me
tira!
Saber que existiu um povo maluco que há muitos
muitos anos, decidiu desenhar figuras no deserto peruano
e que, em 2004, eu as pude ver, a bordo de uma avioneta,
é algo que não vou esquecer e que fica registado
indelevelmente na minha memória.
Lima
Depois de toda esta excitação, regressámos
aeroporto de Ica e, em seguida, a Lima. O transfer estava
à nossa espera, para meia hora de caminho até
ao Swissôtel, por entre o tráfego caótico
da capital do Peru, onde ninguém respeita prioridades,
não faz pisca, muda de faixa constantemente (onde
é que eu já vi isto?...)
Jantámos no hotel: eu comi um ceviche de lagostins,
que é uma coisa com camarões crus embebidos
em sumo de lima, com cebola, molho branco e mais uns vegetais
cujo nome não me lembro; a Mila optou por chupe
de camarões, uma espécie de sopa com os
ditos embebidos num caldo com ervilhas e outros vegetais.
Estava bom!
Sexta, 28 de Maio
8h50 – lobby do Swissôtel
Aguardamos a chegada do guia para a última visita
desta aventura peruana.
Estamos os dois constipados: as constantes mudanças
de temperatura, humidade e altitude tinham que produzir
algum efeito. Mas não é nada de grave e
aguenta-se bem a ranhoca e a tossica.
A Mila ainda tem comichão em algumas picadas. Ontem
estive a contar as picadas: tenho 5 no membro inferior
direito, 14 no esquerdo, 20 no membro superior direito,
34 no esquerdo – o que demonstra a preferência
dos mosquitos pela esquerda! Tenho ainda uma na sobrancelha
esquerda e duas na nuca...
15h25 – depois da visita a
Lima
Esperar é uma seca!
Aguardamos pelo transfer que nos há-de levar ao
aeroporto, de regresso a casa. Está marcado para
as 16h40. Temos saudades da casa, dos filhos, da família...
A visita a Lima, esta manhã, foram 2 horas de carro
e 1 hora a pé, se tanto. O trânsito desta
cidade é mesmo caótico e, para se ir do
hotel à Plaza de Armas, gastámos cerca de
40 minutos; na mesma carrinha, três sul-africanos
de Natal e um casal de portugueses que chegou ontem. Um
dos sul-africanos contou-nos a história da vida
dele em meia dúzia de palavras, ao pé da
Catedral: tem 60 anos, andou pelo mundo a correr maratonas,
teve um AVC, ficou hemiplégico, recuperou mas deixou
de correr, agora toma comprimidos, é dono de sete
fábricas de pneus, mas deixou as fábricas
para os filhos e dedica-se à sua quinta e a viajar,
na companhia da mulher e da sogra que é famosa
porque tem 74 anos e anda que se desunha, foi a mulher
mais idosa a subir ao Quelimanjaro e vai fazer o inca
trail a pé, ele não, vai de comboio. Uf!
Chegados à Plaza de Armas, saímos para fotografar
o Palácio do Governo, com a bandeira dos índios
a flutuar ao lado da bandeira do Peru. Explicou-nos o
guia que Toledo se considera o primeiro presidente índio
e, por isso, adoptou a bandeira de Cusco. Todos os guias
falaram mal do Toledo! A pobreza do país é
evidente e Toledo não parece ter conseguido nada
do que prometeu. Nas ruas de Lima, junto aos cruzamentos
e aos poucos semáforos que existem, há malta
a vender de tudo: pilhas, lanterna, postais ilustrados,
pastas-arquivo, globos terrestres e até papel higiénico!
Vimos filas enormes de professores, à porta dos
bancos, esperando para levantarem os ordenados (ainda
não conhecerão as transferências bancárias?).
Disseram-nos que os professores ganham à hora e
trabalham 2 horas numa escola, mais 2 horas noutra escola,
de modo a conseguirem um ordenado de jeito. Dos 27 milhões
de habitantes, 10 milhões de peruanos trabalham,
mas só 5 milhões pagam impostos –
a classe média, claro. Onde é que eu já
ouvi isto? O parque automóvel é antigo e
degradado. Nas ruas de Lima, as mesmas latas velhas que
nas outras cidades – em maior número, claro,
até porque aqui vivem 8 milhões de pessoas.
O ar é irrespirável, com o fumo dos escapes
a misturarem-se com a neblina que permanentemente cobre
a cidade.
Na mesma Plaza de Armas, além do Palácio
do Governo, fica a Câmara Municipal e a Catedral.
Tudo pintado de amarelo. Destaque para os varandins coloniais,
de madeira, como em Cusco.
A Mila, junto à Catedral, na Plaza de Armas
de Lima
Visitámos, em seguida, o Mosteiro
de S. Francisco, com destaque para as catacumbas, onde
eram enterrados, mediante pagamento, os habitantes de
Lima. Só que os frades, no mesmo sítio,
enterravam vários corpos, coleccionando, assim,
uns bons milhares de ossos. Disse-nos o guia que, nos
anos 40 do século passado, os frades tiraram aqueles
ossos todos para a superfície, talvez à
procura de algum tesouro; depois, voltaram a colocá-los
nas catacumbas mas, desta vez, organizaram-nos por secções:
assim, pudemos ver uma zona só com tíbias,
outra só com fémures, outra só com
crânios. Humor negro...
Atravessámos, depois, a cidade toda para ir ao
bairro de Miraflores, que será a zona mais mexida
de Lima, com muitos restaurantes e zonas de laser. Chegámos
à costa e fomos dar uma olhada ao Pacífico.
Que triste deve ser viver numa cidade com um oceano aos
pés e que raramente se deixa ver, por causa da
neblina. Noutra latitude qualquer, o panorama seria soberbo.
Aqui, vê-se um pouco do oceano e o resto confunde-se
com o céu demasiado baixo. Vimos o Pacífico
do alto do Parque do Amor, dominado por uma gigantesca
estátua de um homem beijando uma mulher e rodeado
por bancos ondulantes, forrados por pedacinhos de azulejo,
aos estilo do Parque Guel, de Gaudi, em Barcelona; nos
bancos, diversas inscrições sobre o amor,
da autoria de vários escritores latino-americanos.
E terminou a visita da cidade. Pouco, para uma cidade
desta dimensão. Aliás, o próprio
guia nos disse que os dois sítios mais fotografados
de Lima eram a Catedral e um fosso do Mosteiro, que também
vimos, onde estão artisticamente arrumados, diversos
crânios e ossos longos. Lima terá, certamente,
outros motivos de interesse mas, nesta nossa viagem, ficou
para o fim e já não nos consegue despertar
o interesse. Depois de ver o Titicaca, as ilhas flutuantes
dos Uros, os Taquile a 4000 metros de altitude, Cusco
iluminada à noite, o Valle de Urubamba, Machu Pichu,
os vulcões de Arequipa e a selva amazónica,
o que nos podia oferecer uma cidade de 8 milhões
de habitantes, com um tráfego caótico e
permanentemente envolta em neblina?
20h10 – regresso a casa
6283 metros de altitude, 804 km/hora, a cerca de 9450
km de Madrid, num Airbus da Iberia.
E no final desta excelente viagem, a Lima Tours fez borrada:
esqueceram-se de nos ir buscar! Às 16h 40 não
apareceu ninguém e o tempo ia passando e nada!
A Mila conseguiu falar com uma fulana que também
trabalhava para a agência e que foi ao hotel buscar
os mesmos ingleses que estiveram connosco em Arequipa
e ela prometeu que ia telefonar para saber o que se passava.
Passado um bom bocado, lá apareceu um subcontratado
para nos levar ao aeroporto! Chegámos lá
1h30 antes da hora do voo. Fizemos o check in e, como
já fomos dos últimos, calhou-nos os lugares
do meio da fila do meio! Para ajudar à festa, o
polícia da alfândega não gostou da
minha barba (que entretanto cresceu desde a selva) e mandou-nos
abrir as malas, perguntando há quantos dias estávamos
no Peru, a que locais tínhamos ido e etc e tal!...
lá abrimos as malas e o tipo, sem luvas nem nada,
meteu as manápulas lá dentro, quase por
desfastio e, claro, que não encontrou nada. Ficámos
foi com receio que lá tivesse plantado alguma coisa...
Enfim, um final aborrecido para uma viagem tão
porreira!