Terça, 18
18h 50 – Sobre Omã
Hora do Quénia – 15h 50 em Portugal –
21h 20 na India. Faltam 2 000km para a chegada, estamos
sobre Omã, em pleno Golfo. Como estará o Saddam?
Quarta, 19
8h 00 – A caminho de Agra
Ontem, provámos um pouco do taste of India. No avião,
preenchemos um impresso para entregar na alfândega,
que era um verdadeiro monumento à burocracia. À
chegada, a fila para mostrar os passaportes era interminável
e o funcionário da fronteira era o típico
funcionário indiano, com todo o tempo do mundo. Apesar
de, em Nova Delhi, serem 1 da manhã, o tipo manuseava
os passaportes como se fossem de cristal e estivessem em
risco de se quebrarem se fizesse um movimento mais brusco.
Depois, foi a confusão das malas e, cá fora,
com 10 autocarros à nossa espera, era o grande caos
indiano. Os turistas, carregados com as malas, uns com fitas
amarelas, se iam para o Oberoy, outros com fitas vermelhas,
se iam para o Taj Palace, caminhavam de autocarro em autocarro,
em busca do lugar certo.
Finalmente, arrancámos, a caminho do Oberoy Hotel,
onde chegámos perto das 2 da matina. No lobby, uma
menina pintava-nos uma marca vermelha na testa e outra colocava-nos
um colar de flores. O nosso quarto é o 218 e é
de um luxo insultuoso, tendo em conta o país em que
estamos. Sobre uma mesa, um bolo de aniversário para
o Mr. Santos. Simpático. Falámos com o Pedro
e com a Marta e tudo bem. Recebi mensagens de parabéns
da malta toda. O Pedro mandou-me os parabéns em swaili:
“heri ya siku kuu!” e em indi: “janana
din ki shubk amnaaye in!”
Depois de um duche e de comer uma fatia de bolo, deitámo-nos
já depois das 3 da manhã e às 7 já
estávamos a ser acordados!
Eu, a Mila e o meu bolo de aniversário, no Oberoy
Hotel, em Nova Delhi
Quinta, 20
0h 30 – A visita ao Taj Mahal
Mais um dia de loucos, como tem sido habitual e tenho muita
coisa para contar.
A viagem para Agra (e regresso) é difícil
de descrever. Agra fica a cerca de 200km de Nova Delhi e
a estrada, no que respeita ao piso, até nem é
má, mas demorámos mais de 4 horas. Quanto
ao piso, disse-nos o guia, Avi-qualquer-coisa, que tinha
sido construído pelos japoneses com cimento e barras
de ferro, para aguentar as monções. E porque
demorámos mais de 4h? Por várias razões:
em primeiro lugar, a camioneta que nos levou, embora seja
das melhorzinhas que andam nestas estradas, tem uns anos
valentes e não anda depressa (e ainda bem...). No
entanto, mesmo que conseguisse andar mais depressa, não
podia porque o trânsito é caótico, todos
ultrapassam todos, mudam de direcção, surgem
vindos do nada; depois, há as vacas – pois,
as vacas, afinal, são mesmo sagradas e passeiam-se
pelas ruas, pachorrentas, ou deitam-se no meio de um cruzamento,
ou estão simplesmente encostadas por aqui e por ali.
As vacas fazem parte dos habitantes da Índia, tal
como as pessoas, os búfalos, as bicicletas, os porcos,
as motas, os riquechós aos milhares, as camionetas
marca Tata, alegremente decoradas, carroças, mais
pessoas, mais vacas...
Então, a coisa é mais ou menos assim: a Índia
tem um bilião de habitantes: Nova Delhi, 14 milhões,
Agra, “apenas” 4,5 milhões. Portanto,
embora já tenhamos saído de Nova Delhi há
muito tempo, continuamos a ver povo ao longo da estrada;
a certa altura, o povo dá lugar a alguns campos cultivados
(600 milhões de indianos dedicam-se à agricultura),
mas logo recomeça o povo, muito antes de chegarmos
a Agra.
E o que vimos nós todo este povo a fazer, à
beira da estrada? Praticamente tudo o que se possa imaginar:
barbeiros a fazer a barba, um tipo a tomar banho, dois ou
três a evacuarem atrás de arbustos, muitos
a comprar e a vender de tudo, outros simplesmente deitados
no chão mas, sobretudo, o que o povo faz mais é
deslocar-se em todas as direcções da estrada,
de bicicleta, mota ou triciclo motorizado. E todos buzinam!
É obrigatório buzinar! Os camiões,
todos, têm nas traseiras, o seguinte pedido: “please
horn!!” E se não se apita, é considerado
falta de educação. Se houver um acidente (pergunto:
como é que não há mais acidentes?!),
o tipo que não apitou é o culpado. Apita-se
para avisar que se vai ultrapassar, apita-se para dizer
“vou aqui”, apita-se como saudação,
apita-se e pronto! Fala o guia - para conduzir, na Índia,
são necessárias três coisas: uma boa
buzina, um bom travão e muita sorte.
Outra loucura: os cabos, eléctricos, telefónicos,
de televisão e outros, são às dezenas,
de poste em poste, ao longo da estrada. Na cidade, em cada
esquina, saem puxadas para as ruas e ruelas, às centenas.
Fala o guia – tudo funciona bem, o telefone, a electricidade,
a televisão, a internet. Como? Por milagre!
E as casas? As tendas andrajosas, as barracas de madeira
e chapa de zinco, os barracões de pedra, tugúrios
todos virados para a estrada, com o povo lá dentro.
O cheiro, nauseabundo; fossas, pântanos, bosta de
vaca, esgotos a céu aberto, águas estagnadas,
lixeiras e povo no meio de tudo isto, e vacas, claro e búfalos
e porcos e um elefante vestido e macacos nos telhados e
toda a gente a buzinar freneticamente, as paredes cheias
de anúncios, Coca Cola por todo o lado, anúncios
de filmes, de roupa sofisticada, comércio decadente
com bosta à porta.
As 8h de viagem, ida e volta, para Agra, deu-nos uma ideia,
pálida, acho eu, do que é a Índia e
ficámos com vontade de regressar com mais tempo.
Se Nova Delhi é assim, com 14 milhões de habitantes,
como será Bombaim, que tem 22 milhões?
Chegados a Agra, fomos almoçar ao Jaypee Palace Hotel,
com um luxo insultuoso. Recebidos novamente com colares
de flores. Na casa de banho, um empregado descarregou-me
o autoclismo, abriu-me a torneira para eu lavar as mãos
e colocou-me uma toalha sobre as mãos, para que as
limpasse. Por momentos, pensei que me fosse por a fazer
chi-chi. Claro que era para a gorjeta, mas tanta subserviência
dá que pensar. O almoço foi bom; a comida
indiana (esta, pelo menos) está aprovada, não
é muito picante e o pão é óptimo.
E fomos ver o Taj Mahal (pronunciar Tache Maguel). É,
de facto, um mausoléu imponente, todo em mármore
branco, com incrustações de pedras semi-preciosas
(também tinha pedras preciosas mas os ingleses fizeram
o favor de as levar para Inglaterra antes da independência
da Índia...). Ao lado do monumento principal, quatro
minaretes, ligeiramente inclinados para fora para, se houver
um terramoto, não caírem para cima do mausoléu.
Taj significa monumento, Mahal quer dizer coroa e, de facto,
no topo, uma grande coroa encima o edifício. Em frente,
os jardins e um tanque, cuja água reflecte todo o
conjunto arquitectónico. Centenas de pessoas e nem
todos eram turistas. Muitos indianos, elas com saris coloridos,
vagueavam por ali. Fascinada com as cores dos saris, a Mila
fartou-se de tirar fotos. Tal como em Marrocos e no Egipto,
homens de mãos dadas. Às tantas, um tipo vem
ter comigo e diz: “Excuse me sir, I would like to
go out with you”. Respondi-lhe “no thanks”
e fiquei siderado. Naquela altura, a Mila estava um pouco
afastada, a tirar uma foto, e o gajo a querer engatar-me!
A Mila, em frente ao Taj Mahal
Cirandámos por ali, demos a volta toda ao Taj Mahal
e era altura de regressarmos a Nova Delhi.
O guia percebeu, facilmente, que todos estávamos
abismados com a confusão das ruas. Por isso, à
saída de Agra, parou junto a um cruzamento, de modo
a que pudéssemos admirar e registar a confusão
instalada naquela zona: três vacas no meio do cruzamento,
gente por todo o lado, pisando poças de lama, riquechós,
centenas de triciclos, camionetas, bicicletas, vendedores
de rua – indescritível.
A foto não consegue traduzir o que vimos mas, mesmo
assim, dá uma ideia (as vacas estavam no meio daquela
bagunça de triciclos).
Chegámos ao hotel perto das 21h, tomámos um
duche e descemos para jantar, que foi precedido de um pequeno
espectáculo de danças tradicionais.
Sexta, 21
17h 15 – Visita de Nova Delhi
Voltando ao espectáculo: dois indianos a tocar bongos
e outra coisa qualquer que parecia uma sanfona e, sucessivamente,
três meninas que rodopiavam fazendo aqueles gestos
com as mãos, um menino efeminado que rodou muito
sobre si próprio e bateu com os pés no chão
muitas vezes e uma senhora com sete tijelas na cabeça,
que dançou sobre espadas, copos e vidros partidos.
Sem interesse.
Hoje, acordámos às 7h 30 (vá lá...)
e às 8h 30 iniciámos a visita da cidade.
A visita da cidade resumiu-se a uma passagem pelas embaixadas,
pelo Parlamento e pelo Senado, por avenidas largas, com
rotundas cheias de flores, fontes e repuxos – nem
parecia que estávamos no mesmo país que vimos
ontem; uma curta paragem no túmulo de Mahatma Gandhi
e passar lentamente por algumas ruas da parte velha da cidade.
Soube a pouco e ficámos com muita vontade de regressar
à Índia, assim que a situação
internacional acalmar.
A Índia em poucas palavras
Caos, mosquitos, gente, muita gente, ruas fervilhantes,
convívio entre pessoas e vacas e búfalos,
pântanos, buzinas permanentemente, saris coloridos,
homens de mão dada, camionetas decoradas com cores
garridas, destroços de casas à beira da estrada,
cabos, milhares de cabos, de poste em poste, cruzamentos
loucos, motas e bicicletas, riquechós e carroças,
autocarros e triciclos motorizados, mais buzinas, subserviência,
vendedores de rua correndo atrás de turistas, a brancura
do Taj Mahal, esgotos a céu aberto, ruído,
cheiro pestilento, caos, vontade cá voltar.
18h 00 – Nova Delhi-Sydney
Levantámos voo às 17h 45, com 80 mil litros
de combustível (vamos gastar 70 mil), 215 toneladas
de peso total (mais 15 toneladas do que em Lisboa), esperando-se
um voo de 12h 20 para 10 450km, sobrevoando Myanamar, Tailândia,
Indonésia e Malásia. Neste momento, 15 minutos
depois de levantarmos voo, vamos a 900 km/h, a 9 800 metros
de altitude e ouve-se um ruído esquisito, como se
tivessem a rolar pedras de gelo sobre a fuselagem.
E, de facto, é gelo. Segundo nos explicou uma das
hospedeiras, nos países quentes, o ar condicionado
solidifica e, com a subida do avião, condensa ou
talvez seja ao contrário. O que interessa é
que não é nada de grave.
Acabei de preencher o papel para a alfândega da Austrália.
À imagem dos americanos, sou convidado a responder
a algumas perguntas tolas, como esta: “are you bringing
into Australia animals, parts of animals and products in
contact with animals?”
Parts of animals?! O quê – o pé de um
macaco? O pâncreas de um lince?
A seguir: Austrália
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