Uma reportagem gripada

Eu sou do tempo em que a malta ia í  janela ver como estava o tempo. Confiávamos pouco no boletim mentirológico.

Agora, temos a Protecção Civil.

Graças a ela, e ao eco da comunicação social, os portugueses ficam a saber que devem andar pela sombra quando está muito calor e que precisam de vestir camisolasde lã quando está frio.

Passámos í  fase das vagas. Nunca mais tivemos um calor do camandro, nem um frio do caraças.

Em vez disso, temos uma vaga de frio ou uma vaga de calor.

E passámos a ter um país muito mais colorido, graças aos alertas amarelos e laranjas.

Hoje, estamos num daqueles dias em que o mapa de Portugal está todo amarelinho ou laranjinha.

É mais fashion, sem dúvida.

Ontem, no telejornal da RTP-1, alguém se lembrou que a gripe devia estar a chegar.

Eu sou do tempo em que a gripe era uma coisa habitual. Todos os invernos, havia uma. E a malta sabia como tratar dela: umas aspirinas, umas colheres de mel, uns abafos, um ou dois dias de cama. E a gripe ia-se embora.

Agora, não.

A gripe passou a ser mais uma ameaça.

A repórter da RTP-1 foi ao Banco de urgência de um hospital do Porto, para ver a gripe in loco.

As urgências estavam calmas.

A gripe ignorava, olimpicamente, a comunicação social.

Mas a reportagem tinha que ser feita.

Então, a jovem repórter perguntou í  chefe da equipa médica: “como tem sido a adesão í s urgências?”

E a minha colega, talvez nervosa por “estar na televisão”, respondeu: “a assiduidade í s urgências tem sido a habitual”

Adesão e assiduidade?

Mas afinal, hoje em dia, os doentes aderem í s urgências ou são assíduos nas urgências?

Nenhuma das senhoras se lembrou da palavra “afluência”, por exemplo.

Não há dúvida que estamos em época de eufemismos.

Por que não: “tem tido mais doentes nas urgências”?

Por que não: “está um briol dos antigos” ou “está um frio do caraças”? Ou, simplesmente, “está frio” – o que é habitual, em Janeiro.

E fico por aqui, porque tenho que ir ao site da Protecção Civil, para saber quantas camisolas devo vestir para enfrentar este barbeiro!

2 thoughts on “Uma reportagem gripada

  1. Bem, hoje “topecei” neste blog, e, sinceramente gostei muito! identifico-me com muitas das coisas que aqui estão escritas…

    e diga-se se passagem que não li apenas a 1ª página do blog… :)

    O comentário estar neste post e não em nenhum dos outros… talvez o facto de ao le-lo me ter lembrado de um dia destes em que davam um alerta laranja (que quer dizer mais frio que o habitual – quando laranja é uma cor associada a tons quentes…) e ter saido de casa e, sim estava frio… mas estamos em janeiro… é no minimo normal, digo eu…

    í s vezes dou comigo a pensar “o que se passa com esta gente? Endoideceu tudo? ou fui eu?”

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