George Saunders (Texas, 1958), acaba de ganhar o Booker Prize com o romance “Lincoln no Bardo”, mas é mais conhecido como autor de short stories, publicadas em diversas revistas norte-americanas e em colectâneas.
Pastoralia é um conjunto de seis histórias, publicadas em 2000 e editadas no ano passado pela Antígona.
Saunders escreve sobre a América, os seus tiques e os seus truques, escreve sobre pessoas solitárias, os típicos loosers a quem tudo corre mal mas estão sempre a imaginar como a vida poderia ser se não fosse como é.
A história de abertura, que dá o título í colectânea remete-nos para os reality shows absurdos que pululam na televisão. A acção passa numa espécie de parque temático onde um homem e uma mulher simulam viver no Paleolítico. De vez em quando, surgem visitantes, que vão ver como o Mundo era antigamente. Mas também aparece, por exemplo, o filho da mulher, toxicodependente, e que lhe vai pedir dinheiro para consumir e cujo discurso é notável:
“Tudo bem se calhar não devia ter vendido a televisão, mas tu não és uma consumidora involuntária de substâncias, e sabes que mais, eu sou, por isso é que lá estava. Percebes o que estou a dizer? Eu sei que gostavas de ter um filho perfeito, mas não tens, tens um filho que é consumidor involuntário de substâncias e que por vezes comete erros de avaliação, tipo pedir uma televisão emprestada e depois vendê-la para comprar substâncias.”
Mas a história de que mais gostei foi A Infelicidade do Barbeiro, que nos conta o dia-a-dia de um barbeiro de meia idade, solteiro, que ainda vive com a mãe e que sonha com uma namorada, seja ela quem for. Por alguma razão que não é dita, está a frequentar um curso destinado a quem perdeu a carta de condução por erros graves. É lá que conhece uma rapariga “bonita mas gorda” e começa a fantasiar sobre ela:
“Ela sorriu. O coração dele começou a bater mais depressa. Isto nunca acontecia. Elas nunca sorriam. Bem, esta ainda era nova. Se calhar não sabia que não se devia sorrir para homens mais velhos quando não queria ter nada com eles. Ou então se calhar queria mesmo. Era possível. Talvez estivesse farta de rapazolas cheios de tesão que só queriam uma cambalhota rápida. Talvez quisessem agora experimentar alguém com idade suficiente para a apreciar, alguém que não se viesse demasiado depressa e que trabalhasse por conta própria, e que fosse arrumadinho. Por vontade do barbeiro, ela ainda seria virgem por motivos religiosos e nunca tinha dado sequer uma cambalhota. Não que preferisse que ela fosse frígida. Por vontade dele seria uma daquelas virgens por motivos religiosos que, logo depois de casar, se revela uma grande maluca, e quando não se está a revelar uma grande maluca exibe uma serena dignidade nas suas roupas conservadoras de forma que ninguém pode sequer suspeitar quão total e completamente ela se revela uma grande maluca quando tem vontade…”
Gostei mesmo!